Atividades humanas como desmatamento, uso da terra para mineração ou construção de rodovias e hidrelétricas, caça ilegal e criação de gado transformam a Amazônia em possível matriz de doenças zoonóticas emergentes.
A destruição do habitat pela fragmentação da floresta e a redução da biodiversidade são distúrbios ecológicos que aumentam o risco de surgimento de novas doenças infecciosas e até mesmo pandemias.
Tais observações estão em artigo publicado na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências na segunda feira(19/09) por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e colaboradores de outras instituições nacionais e internacionais.
Baseados em resultados de estudos da área ambiental, os autores realizaram uma síntese das principais associações observadas entre impactos ecológicos causados por atividades humanas e o aumento do risco de eventos de spillover, ou salto entre hospedeiros. O termo é utilizado para nomear o processo de introdução de um patógeno de uma espécie em uma nova, sendo geralmente de não-humano para humano.
Segundo o artigo, mapear e descrever os eventos que levam ao surgimento de novos patógenos humanos é essencial para atuar na prevenção de surtos, epidemias e pandemias. Fluxos migratórios, caça e comercialização de carne de animais selvagens, desmatamento e plantação de monoculturas são algumas das ações humanas que podem atuar simultaneamente, promovendo impactos ambientais que implicam no surgimento e propagação de doenças causadas por uma ampla gama de patógenos, como vírus, bactérias e protozoários.
O artigo mostra como a biodiversidade é um fator crucial para o controle de patógenos relevantes na natureza. Mesmo que por uma perspectiva ela represente abundância de agentes infecciosos ou de vetores, a biodiversidade, por si só, não é a causa do surgimento de novas doenças.
Para explicar essa questão, os autores apresentam o conceito do “efeito diluição”, onde ecossistemas com alta biodiversidade diluem a densidade de hospedeiros e vetores competentes e capazes de transmitir doenças, o que minimiza o contato entre eles, além de aumentar a diversidade de predadores e competidores. Isso reduz o risco de manifestação de novas zoonoses e gera um escudo para a saúde pública.
A Amazônia ganha posição de destaque no debate por ser um local que retém alta biodiversidade e por ser alvo de intensa interferência humana. A combinação desses fatores favorece a ocorrência de eventos de salto de hospedeiro, transformando o maior bioma do país em uma potencial fonte de novas doenças zoonóticas que podem se tornar o próximo problema global de saúde pública.
“Considerando o grau alarmante com o qual o Brasil está interferindo na Amazônia, não me surpreenderia o surgimento de um novo patógeno pandêmico proveniente dessa região”, comenta Joel Ellwanger, autor principal do estudo.
Considerando que o Brasil acomoda a maior parte da Floresta Amazônica em seu território, o artigo evidencia a importância da iniciativa do governo em assumir o protagonismo na criação de políticas de preservação da Amazônia. Sabe-se que esse feito não é inédito na história do país, mas tem sido negligenciado nos últimos quatro anos, o que reflete no aumento acelerado das taxas de desmatamento.
Para Ellwanger, a medida mais urgente seria reduzir essas taxas, uma forma ampla de controlar questões que arriscam a biodiversidade e a saúde da população. “Controlar o desmatamento é imprescindível para mostrarmos para a comunidade internacional que o Brasil se importa de forma concreta com questões de interesse global e que o país está comprometido com o desenvolvimento sustentável. Sem isso, continuaremos colocando nossa biodiversidade e saúde em risco”, afirma.
Revista Galileu.
Bruno Kelly / Amazônia Real (Foto: Reprodução/Creative Commons).