Até pouco tempo atrás pensava-se que o fundo abissal dos oceanos fosse um deserto de vida inanimada. Como é possível que a vida floresça num local que sofre pressão descomunal, e onde a luz não chega? Do mesmo modo supunha-se, antigamente, que a vida marinha era infinita.
São mitos que a ciência desmoralizou. Diva Amon, que tem como trabalho mergulhar em grandes profundidades, afirma que ‘O fundo do mar é um tesouro de biodiversidade, rico em recursos vivos usados em medicamentos, crítico na regulação do clima, e fornecendo áreas de desova e alimentação para os peixes. O planeta não seria o mesmo sem ele.’
Quase dois terços das centenas de espécies de moluscos que vivem no fundo do mar estão em risco de extinção, de acordo com um novo estudo, publicado na Frontiers in Marine Science, que faz soar outro alarme sobre o impacto da mineração no fundo do mar sobre a biodiversidade neste ecossistema.
A pesquisa, conduzida pela Queen’s University em Belfast, capital da Irlanda do Norte, resultou na adição de 184 espécies de moluscos que vivem em torno de fontes hidrotermais à lista vermelha global de espécies ameaçadas, compilada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Apesar de terem estudado apenas moluscos endêmicos para as fontes termais no fundo do oceano, pesquisadores disseram que esperam riscos de extinção semelhantes para crustáceos ou qualquer outra espécie dependente das fontes.
Mais de 80% dos oceanos permanecem não mapeados, não observados e inexplorados, e há uma oposição crescente à mineração do fundo do mar por parte de governos, grupos da sociedade civil e cientistas, que dizem que a perda de biodiversidade é inevitável e provavelmente será permanente se para adiante.
“As espécies que estudamos dependem extremamente do ecossistema único de fontes hidrotermais para sua sobrevivência”, disse Elin Thomas, autora principal do estudo, ao The Guardian. “Se as empresas de mineração do fundo do mar querem explorá-lo, removeriam todo o habitat dessas espécies. Mas elas não têm para onde ir”, garantiu ela.
Existem pelo menos 600 fontes hidrotermais conhecidas em todo o mundo, a profundidades de 2 mil a 4 mil metros, e cada uma tem cerca de um terço do tamanho de um campo de futebol. Eles agem como sistemas de encanamento naturais, transportando calor e produtos químicos do interior da Terra em enormes gêiseres, e também ajudam a regular a química dos oceanos. Ao fazer isso, vastos – e valiosos – depósitos minerais se acumulam nas fissuras. O calor deles, no fundo do mar frio, também os torna pontos críticos de biodiversidade, semelhantes a recifes de coral ou florestas tropicais.
Os riscos da mineração
‘Desse modo, há igualmente um crescente corpo de evidências de que a mineração de centenas de milhares de quilômetros quadrados do fundo do oceano pode causar danos irreversíveis à saúde dos oceanos’.
‘Assim, enormes máquinas seriam enviadas para o fundo do oceano para raspar minerais – e tudo em seu caminho – criando plumas de sedimentos que se espalhariam por muitos quilômetros nas águas circundantes e emitindo ruído e luz que perturbam os ecossistemas escuros e silenciosos nas profundezas, em outras palavras, mares que levaram eras para se desenvolver’.
Adiamento da mineração submarina
O advogado britânico Michael Lodge, atual secretário-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) – órgão afiliado à ONU que é responsável por governar a mineração em alto mar vem tentando acelerar o começo da mineração em escala industrial no fundo do Oceano Pacífico, o que tem recebido críticas de vários países.
Em reação a isso, mais de 700 especialistas oceânicos assinaram uma declaração pedindo o adiamento da mineração em alto mar. Algumas grandes empresas e bancos prometeram apoio semelhante ou criaram políticas que excluem o financiamento da mineração em alto mar. E 12 países pediram uma moratória na mineração em alto mar, com a França indo além e pressionando por uma proibição total.
Além da França, Alemanha e a Costa Rica estão entre o crescente número de países, como Espanha, Chile, Nova Zelândia e várias nações do Pacífico, que disseram recentemente acreditar que os dados disponíveis hoje para avaliar o real impacto da atividade na biodiversidade marinha não são suficientes. Estes representantes pediram que seja feita uma “pausa preventiva” nas negociações ou até mesmo a proibição da mineração em alto mar enquanto as pesquisas não avançam, reporta o The Guardian.
Mais países devem intensificar e dizer que não aprovarão a mineração em alto mar, a menos e até que haja pesquisa científica suficiente sobre os riscos potenciais e regulamentos fortes possam ser implementados para proteger esses ecossistemas ocultos, mas de vital importância. Uma vez que uma moratória está em vigor, os países podem levar algum tempo para avaliar se realmente precisamos explorar o oceano profundo’.
Fonte: Um Só Planeta.
Foto: NOAA/IUCN.