Mineração em águas profundas, uma nova preocupação ambiental

Após três semanas de intensas negociações, o encontro da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), na Jamaica, chegou ao fim na semana passada sem que os países entrassem em um consenso sobre a regulamentação da mineração em águas profundas.

Apesar da pressão do setor para que a atividade fosse autorizada, 21 nações se pronunciaram favoravelmente à pausa preventiva – entre elas o Brasil. Os países defendem mais tempo para que os impactos da mineração sejam mais conhecidos e estudados.

Os governos acordaram discutir a proteção do ambiente marinho na próxima reunião da ISA, em abril de 2024 – uma excelente notícia para os defensores da vida marinha, já que a expectativa da indústria era ter autorização imediata para começar a dragar o leito marinho.

No entanto, ainda que as empresas não tenham conseguido um sinal verde para iniciar a mineração em escala industrial, os oceanos não estão protegidos por completo desta ameaça.

Empresas e países pró-mineração ainda podem acionar a chamada “regra dos dois anos” – um dispositivo da Convenção sobre o Direito do Mar que prevê que a ISA é obrigada a aceitar provisoriamente as propostas para a mineração comercial nos oceanos mesmo que a regulamentação não esteja em vigor.

Por outro lado, a crescente mobilização global em defesa da pausa preventiva deve atrasar a análise e a aprovação desses possíveis pedidos.

Dezenas de instituições financeiras, cientistas e entidades da pesca também estão se juntando ao movimento para frear essa atividade, que beneficia empresas do Norte Global e que pode gerar impactos irreversíveis para a vida no fundo do mar.

Mobilização contínua

A ISA, amplamente criticada pelas organizações ambientais por ser próxima à indústria, realizou muitas reuniões às portas-fechadas ao longo das três semanas de encontro na Jamaica e declarou que espera aprovar a regulamentação da mineração em águas profundas até 2025.

A participação da sociedade civil também foi cerceada pelo órgão durante o encontro: jornalistas foram restringidos e protestos pacíficos durante as reuniões foram reprimidos.

“Esta claro que a maioria dos governos não quer que seu legado seja o de apoio à destruição dos oceanos. Cada vez mais países estão defendendo uma abordagem de maior precaução com relação a essa atividade. A única forma de impedir esta indústria é por meio de uma moratória que garanta a proteção dos oceanos”, defende Enrico Marone, porta-voz da campanha de Oceanos do Greenpeace Brasil.

Segundo Marone, o argumento que as empresas e governos apoiadores da mineração apresentam, de que a exploração de metais e minérios é imprescindível para a transição energética, não se sustenta.

“A transição energética justa que o mundo precisa pode acontecer sem impactos tão danosos ao mar profundo. Ao invés de irmos atrás de mais metais e minérios, destruindo os habitats marinhos, podemos direcionar esforços para o desenvolvimento de tecnologias e baterias mais eficientes”, adiciona o oceanógrafo.

Na opinião do especialista, as reuniões na Jamaica evidenciaram que “avançar com a exploração do mar profundo em meio à crise climática não é apenas imprudente, mas politicamente incoerente. O mundo está se mobilizando contra a mineração em águas profundas e ainda há uma grande luta pela frente”.

Comunidades indígenas do Pacífico, principalmente as que vivem na Zona Clarion-Clipperton (CCZ na sigla em inglês), que, atualmente é o principal alvo da indústria da mineração em águas profundas, também estão se mobilizando contra a mineração e demandam ser ouvidas pelos líderes mundiais.. Estima-se que a região possa abrigar 27 toneladas de nódulos polimetálicos – compostos de minerais ricos em cobre, níquel, cobalto e, principalmente, manganês.

Os minerais são usados em painéis solares e baterias de carros elétricos, que ajudariam a enfrentar a crise global do clima. Especialistas afirmam que há recursos suficientes em terra, com extração, reúso e reciclagem.

Apesar da mineração em águas profundas ainda não ser uma atividade regulamentada, ou seja, ainda não há sinal verde para que as empresas de fato comecem a dragar o leito marinho, testes pré-exploratórios já estão acontecendo nesta região.

Além de alertar sobre os impactos extremamente danosos da atividade para a vida marinha, a campanha global do Greenpeace, “Parem a Mineração em Águas Profundas”, também ressalta a importância dos líderes globais ouvirem as vozes das comunidades indígenas do Pacífico.

O líder havaiano Solomon Pili Kahoʻohalahala, conhecido como Tio Sol, compôs a delegação da Greenpeace Internacional na ISA. Ele explicou que, segundo os cânticos havaianos, toda a vida na Terra provém do mar profundo.

“O fundo do mar é a fonte da criação e temos de cuidar de tudo o que nos precede”, defendeu Kahoʻohalahala. “O fundo do mar é quem nós somos e estamos nas mãos da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos”, acrescentou.

Fonte de alimento e renda

A mineração em águas profundas pode destruir habitats inteiros, impactando diretamente a vida marinha. Mas, além disso, a pluma de sedimentos que resulta do próprio processo de extração e vazamentos de substâncias potencialmente tóxicas dos navios podem atingir espécies para além das que vivem no mar profundo.

Em função das correntes marítimas, a poluição pode viajar por quilômetros, colocando em risco os meios de subsistência das comunidades costeiras e pesqueiras das ilhas do Pacífico. A segurança alimentar dessas populações também estaria comprometida caso os estoques pesqueiros sejam afetados

Cientistas, conservacionistas e demais setores atentos à proteção marinha alertam que espécies e ecossistemas levariam de milhares a milhões de anos para se recuperar dos prejuízos da mineração em águas profundas.

Esses efeitos colaterais se somariam às pressões da crise climática global, do despejo de lixo, da pesca excessiva, da poluição e de outras ações humanas sobre os já saturados mares e oceanos.

“Os impactos da mineração em águas profundas podem ser irreversíveis. É urgente proteger todas as formas de vida que existem no mar profundo. Uma moratória global é o único caminho para isso”, argumenta o oceanógrafo, Enrico Marone.

Fontes: ((O))Eco, Greenpeace.

Imagem: Greenpeace.