Um longo estudo conduzido por pesquisadores brasileiros, canadenses e norte-americanos trouxe novas informações sobre as manchas de óleo que atingiram a costa de 11 estados a partir de 2019. Segundo a investigação, o material que poluiu principalmente as praias do Nordeste se tratava de uma mistura de óleos combustíveis usados para transporte de navios, e não petróleo cru.
“Esses achados sinalizam que o óleo misterioso do Brasil contém materiais refinados e não apenas um óleo bruto virgem. Provavelmente é um óleo combustível usado para energia em andamento de um navio ou transportado para uso futuro”, diz o artigo publicado na revista “Energy & Fuels”.
Na análise, os pesquisadores também descobriram que esse óleo não foi necessariamente produzido recentemente e pode ter sido processado ainda na década de 1940, o que aumenta a suspeita de que um navio nazista afundado a quilômetros da costa brasileira – ou mesmo outro navio na mesma situação – seja o poluidor.
“Essa informação é de suma importância porque você elimina as possibilidades que te distanciam dos possíveis causadores. Antes estavam atrás de um navio que transportava óleo, que não foi o causador [do desastre ambiental]”, afirma Rivelino Cavalcante, pesquisador do Labomar (Instituto de Ciências do Mar), da UFC (Universidade Federal do Ceará), e que coordenou a parte brasileira do estudo.
Os dados refutam a tese levantada pela investigação concluída pela PF (Polícia Federal), que indiciou no seu inquérito o navio grego Bouboulina, que transportava óleo cru da Venezuela. Entretanto, de acordo com a análise forense, o material não seria petróleo.
Além isso, o Bouboulina também não registrou nenhum problema nos portos onde atracou depois de deixar o porto José, na Venezuela, em 19 de julho de 2019. O navio zarpou com 1 milhão de barris de petróleo e, em 3 de setembro, entregou toda a carga, sem nenhuma perda, no porto de Melaka, na Malásia.
Já a Marinha encerrou seus trabalhos no final de 2020, dizendo que as investigações foram inconclusivas.
Em julho, o UOL publicou um material especial que apontou as falhas e contradições da investigação oficial.
Sem cooperação internacional
À época do incidente, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, repetiu diversas vezes que o óleo era venezuelano, mas o governo do país vizinho nunca recebeu amostras para comparar os óleos nem cooperou com as apurações. O governo venezuelano disse que nunca houve um pedido de ajuda por parte do nosso governo.
Rivelino Cavalcante afirmou que pesquisadores no Brasil tampouco foram chamados para colaborar com as investigações. Elas ficaram restritas a técnicos de órgãos federais. “Eu e muitos outros pesquisadores que conheço nunca fomos chamados para opinar em nada”, disse.
No artigo, os pesquisadores citam que o óleo misterioso contém material termicamente alterado, o que indica algum tipo de refino. Como não há amostras originais para serem confrontadas, eles afirmam que não é possível cravar quem o produziu.
A principal indicação aponta que o material seria uma mistura de óleo não
Óleo do fundo do mar?
Os resultados elevam uma suspeita – nunca investigada pelas autoridades locais, mas que sempre foi uma hipótese ventilada por especialistas – que o vazamento que deu origem a esse óleo tenha sido fruto de vazamento de um navio afundado no Atlântico Sul.
Segundo o estudo, os resultados “não podem cravar um naufrágio da Segunda Guerra Mundial” como responsável, mas demonstra que o óleo que chegou às praias é um combustível que pode ter sido produzido na década de 1940.
Os pesquisadores citam que mais de 500 naufrágios de navios na Segunda Guerra Mundial são conhecidos no sul do oceano Atlântico “e apresenta-se cada vez mais como um potencial poluidor dos oceanos”.
Nesse caso, a suspeita principal recai sobre o navio nazista SS Rio Grande, onde estavam os fardos de borracha que, desde 2018, apareceram no litoral do Nordeste.
“O lançamento dessa carga foi atribuído à corrosão natural do casco ou salvamento não autorizado de sua carga metálica, que pode também ter lançado o óleo”, diz o artigo científico.
O SS Rio Grande foi afundado em 4 de janeiro de 1944 junto a outro navio alemão —o SS Burgenland— pela Marinha norte-americana.
Segundo o site Sixtant, especialista em afundamentos ocorridos na Segunda Guerra Mundial, foram ao menos 21 navios nazistas submersos no Atlântico Sul, além de outros três capturados. Há ainda 25 Uboats (submarinos alemães).
Outro ponto que corrobora a tese é que o volume total de óleo derramado foi estimado pelas autoridades brasileiras entre 5 milhões a 12,5 milhões de litros. O volume é compatível com a capacidade dos tanques desses navios naufragados.
“Se o estudo determinasse que o óleo encontrado era do tipo não refinado ou identificasse uma substância que não era produzida nesta época, descartaríamos, mas não foi o caso”, diz.
Na conclusão, os pesquisadores defendem que mais investigações sejam feitas, sugerindo que amostras de fontes suspeitas sejam coletadas para comparação.
O desastre
O acidente com óleo teve o seu período de pico em 2019, mas é um problema que atinge até hoje o litoral do Nordeste. Recentemente, manchas de óleo voltaram a aparecer nos litorais de Alagoas e Pernambuco.
O óleo chegou pela primeira vez no dia 30 de agosto de 2019 em praias nos municípios de Pitimbu e Conde, no litoral da Paraíba. Dali em diante, foi se alastrando: somente até março de 2020, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) contabilizou 1.009 localidades afetadas em 130 municípios, do Maranhão ao litoral norte do Rio de Janeiro.
Com mais de 3.000 km de litoral atingido, o acidente com óleo é considerado o maior em extensão já visto no mundo. Somente com os custos de limpeza, a PF estimou um gasto de R$ 525 milhões.
Fonte: UOL.
Imagem: Felipe Brasil/Instituto do Meio Ambiente de Alagoas / Divulgação.