Nova fronteira energética do Brasil pode estar no mar

O mundo terminou 2021 com uma potência instalada de 57,2 gigawatts (GW) de energia eólica offshore — gerada pelos ventos em alto-mar. O segmento teve o melhor ano na história, com 21,1 GW adicionados à rede em 2021, três vezes mais do que no ano anterior, e a China sozinha foi responsável por 80% desse crescimento. Com isso, o país lidera atualmente o mercado eólico offshore, com 27,7 GW, seguido pelo Reino Unido, com 12,5 GW, a Alemanha, com 7,7 GW, e a Holanda, com 3 GW.

O Brasil ainda não possui empreendimentos eólicos offshore em operação, mas é uma questão de tempo se quiser se manter com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo e se guiar para uma economia de baixo carbono. O potencial dos ventos nos mares brasileiro para geração de eletricidade é superior a 700 GW, segundo a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), e a expectativa é que o primeiro leilão de energia eólica offshore aconteça em 2023.

Primeiros passos

Em janeiro deste ano, o governo federal publicou o Decreto 10.946/2022 com as principais diretrizes para os projetos em alto-mar no Brasil. Este foi o gatilho que as empresas precisavam – não à toa, o número de projetos dessa modalidade quase triplicou no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), passando de 23 para 66 em menos de um ano.

A sinalização do governo federal em estabelecer diretrizes para projetos eólicos em alto-mar trouxe mais confiança para destravar investimentos no setor. Especialistas e entidades internacionais dizem que a medida afasta o risco jurídico e regulatório e dá a largada para que os projetos nos mares do Brasil comecem a sair do papel.

Do Nordeste ao Sul, os projetos pipocam por quase toda a costa brasileira. Neste momento, há mais de 169 GW de projetos de energia eólica em alto-mar em análise no Ibama. Em equivalências energéticas, isto é praticamente toda a potência instalada que o Brasil tem para suprir suas necessidades elétricas.

O que precisa ser definido

A consultoria Wood Mackenzie (WoodMac) projeta quase US$ 1 trilhão em investimentos para a indústria eólica offshore na próxima década, mas até lá um longo caminho precisa ser trilhado. A expectativa é que os primeiros projetos devem entrar em operação até 2030. Antes disso, o Brasil precisa definir as regras de cessão do espelho d’água e preparar a infraestrutura de portos e de transmissão.

A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) tem pressa para que as diretrizes regulatórias de contratação de eólicas offshore saiam. Em entrevista ao Um Só Planeta, a presidente-executiva da entidade, Elbia Gannoum, diz que a associação ajuda ativamente na estruturação econômica e regulatória para receber os investimentos e acredita que em 2023 seja possível a realização do primeiro leilão.

A executiva lembra que condições estruturais ainda precisam ser vencidas, como arranjar a infraestrutura de portos e de transmissão, já que os projetos têm uma escala, e a retomada da economia precisa vir com fôlego, para que os investimentos se justifiquem e acelerem.

Os próximos passos dependem de uma definição mais clara do governo sobre as regras de cessão de uso do espelho d’água, que está prevista para sair até dezembro deste ano.

Isso coloca todo um setor em estado de espera. Dos projetos em análise no Ibama, apenas dois apresentaram Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Ambos foram rejeitados por estarem em desacordo com o Termo de Referência Padrão. Os demais projetos estão em fase inicial e o órgão aguarda os planos de trabalho dos empreendedores.

Empresas que atuam no setor

Os investidores do segmento de geração eólica em alto-mar vão desde as tradicionais empresas do setor até grandes petroleiras que buscam atender as metas de transição energética e diversificar os negócios. Players como Equinor, Shell, Neoenergia, Ocean Winds, entre outros, têm projetos de geração em alto-mar.

Mais investimentos necessários

O estado brasileiro vem desde o início dos anos 2000 incentivando a contratação de energia eólica, mecanismos que foram importantes para tornar a energia eólica um dos menores custos marginais.

Os dados provam isso. Um relatório divulgado recentemente pelo Conselho Global de Energia Eólica mostrou que o Brasil subiu uma posição no ranking mundial de energia eólica onshore (em terra) e já é o sexto país com mais eólicas no planeta, totalizando 21,5 GW de capacidade instalada.

No mundo, a capacidade total acumulada de energia eólica em terra e mar é de 837 GW. Isso ainda é pouco. Ben Backwell, do GWEC, frisa que o crescimento precisa quadruplicar até o fim da década se o mundo quiser permanecer na rota de combate ao aquecimento global e zerar emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2050.

“A indústria eólica continua a se desenvolver e performar, mas alavancar o crescimento ao nível necessário para zerar as emissões líquidas dos gases de efeito estufa e alcançar a segurança energética exigirá uma abordagem nova e mais proativa para a formulação de políticas em todo o mundo”, diz o executivo.

Efeitos colaterais desconhecidos

Esse potencial todo, entretanto, vem com um alerta: os efeitos de parques eólicos no mar ainda não são totalmente conhecidos e podem afetar a biodiversidade marítima e atividades econômicas, como a pesca.

A diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Oliveira, cobra seriedade e rigor nos estudos de impacto ambiental e protagonismo social na tomada de decisões, por se tratar de uma tecnologia nova para o país.

“Diferente das plantas de geração onshore [em terra], cujos impactos ambientais são, de certa forma, mais facilmente administráveis, as eólicas marítimas demandam um cuidado maior por ser um ambiente extremamente sensível, riquíssimo em biodiversidade, que já vem sendo ameaçado pelas mudanças climáticas”, diz a ativista.

Fonte:  Um só Planeta.

Foto: Getty Image.