Uma região geológica potiguar está prestes a dar mais um importante passo e ganhar o mundo. Entre os dias 22 e 26 de novembro, o Geoparque Aspirante Seridó recebe uma missão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) encarregada de avaliá-lo de maneira técnica, tendo em vista a chancela e o reconhecimento do órgão, o que colocaria o Seridó dentro da Rede de Geoparques Mundiais. Seria o primeiro reconhecimento em 15 anos de um geoparque em território brasileiro. O último foi o Geopark Araripe, no sul do estado do Ceará.
O Geoparque Aspirante Seridó é gerido por um consórcio intermunicipal constituído por seis municípios que o integram: Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Currais Novos, Lagoa Nova e Parelhas. Esse consórcio tem um comitê técnico que operacionaliza todas as atividades, constituído por uma diretora executiva, um assessor jurídico e contábil, um coordenador científico e um diretor de divulgação e marketing. Somado a eles, cada um desses municípios tem um representante.
A equipe do Geoparque organizou um roteiro para viabilizar a visita dos avaliadores da Unesco — Artur Sá (Portugal) e Helga Chulepin (Uruguai) —, fazendo com que compreendam melhor como estão sendo trabalhadas as diferentes ações que promovem o desenvolvimento territorial de forma sustentável. Um técnico do Ministério do Turismo também acompanha a missão.
Com duração de três dias, a missão realiza visitas a geossítios, demonstração da biodiversidade a partir da fauna e flora da Caatinga (bioma exclusivamente brasileiro) e demonstrações culturais que vão dos registros rupestres milenares à cultura popular da região e as tradições dos povos locais, como os vaqueiros e as populações quilombolas. Eles também vão provar a gastronomia exclusiva do Seridó. Além disso, serão realizadas reuniões para abordar aspectos mais ligados à gestão do Geoparque.
O Geoparque Aspirante Seridó vem passando pelo processo de avaliação desde o final de 2019, quando a candidatura ao Programa Internacional de Geociências e Geoparques da Unesco foi submetida. “As nossas expectativas são as melhores possíveis porque a gente já vem trabalhando nas premissas de um geoparque mundial da Unesco que trabalha especificamente a educação, a conservação e o desenvolvimento sustentável”, afirma Marcos Antonio Leite do Nascimento, professor do Departamento de Geologia da UFRN e coordenador científico do Geoparque Seridó.
Segundo ele, na visita será mostrado aos avaliadores o quanto essas ações já estão promovendo o desenvolvimento e favorecendo a população local. “A gente acredita que está fazendo o dever de casa, só que agora a gente tem essa avaliação da Unesco para comprovar não só in loco o que a gente já vem trabalhando nesses últimos anos, mas também para confirmar tudo aquilo que a gente colocou no dossiê de candidatura, quando ocorreu a submissão”, completa Marcos.
Na semana passada, a missão ganhou o apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Empresa Potiguar de Promoção Turística (Emprotur). Após a missão, os avaliadores irão elaborar um relatório técnico. A expectativa é de que o resultado seja anunciado e oficializado até abril de 2022.
Geoparque Seridó
Conforme está descrito em seu portal institucional, o Geoparque Aspirante Seridó, distante 180 km da capital potiguar, tem uma área de 2.802 km². Seu território está localizado na parte semiárida da região Nordeste, na mesorregião central potiguar, englobando partes das microrregiões Serra de Santana e Seridó Oriental.
O Geoparque Aspirante Seridó também está inserido geologicamente no extremo NE da Província Borborema, entidade que engloba o conjunto de unidades geológicas estabilizadas a cerca de 500 milhões de anos. Nessa porção da província, conhecida como domínio Rio Grande do Norte e, mais especificamente, na região do Geoparque, há vastas áreas de rochas metamórficas que coincidem com o período Paleoproterozoico, correspondendo ao substrato geológico regional, representadas por unidades de 2 bilhões de anos.
Elas compõem blocos que separam extensas faixas de rochas metassedimentares e metavulcânicas neoproterozoicas, cujas idades variam entre 630 a 650 milhões de anos. Afetando todas essas rochas, ocorrem diversos corpos plutônicos, além de diques de pegmatitos e de basaltos.
O acesso, a partir de Natal, dá-se pelas rodovias federais BR-104 e BR-226 até a cidade de Currais Novos, tomando-se, em seguida, inúmeras outras rodovias, como a federal BR-427 e as estaduais RN-041, RN-042, RN-086, RN-087, RN-203 e RN-288, para ter acessos aos demais municípios da área.
A população estimada para os seis municípios inseridos no Geoparque é de 112.740 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem média de 0,650, segundo dados de 2020 do IBGE.
Na região, a economia foi estruturada sobre o tripé composto pela pecuária extensiva, agricultura e mineração. Os principais minérios explorados são scheelita, columbita-tantalita e berilo. Outras novas produções econômicas implantadas são produção leiteira, a modernização e ampliação da caprino-ovinocultura, a atividade ceramista e o desenvolvimento do setor terciário, com destaque para o comércio e a diversificação de serviços, principalmente com o turismo.
O clima da região é quente e semiárido, tendendo a árido. A circulação atmosférica é influenciada pela Zona de Convergência Intertropical, que atua no verão, e pela massa Equatorial Atlântica, que predomina do outono à primavera. A vegetação da área é caracterizada pelo domínio da caatinga, que se apresenta com altos índices de xerofilismo, em razão de um clima extremamente rigoroso, de baixos índices pluviométricos e distribuição irregular, constituindo os tipos hiperxerófila e subdesértica. O relevo varia de regiões planas e suavemente onduladas a outras com morros, montes isolados e serras baixas. A área está inserida na Bacia Hidrográfica Piranhas-Açu, contendo os rios Seridó, Acauã e Salgado.
O Brilho Raro do Seridó
Para um geoparque ter importância e ser reconhecido pela Unesco, ele precisa ter um patrimônio geológico de valor internacional, o que é identificado e encontrado no Seridó. O melhor exemplo são as rochas que contêm o mineral, muito importante, chamado scheelita, do qual é extraído o tungstênio, metal amplamente utilizado pela indústria. Essas rochas ocorrem em abundância no Seridó, mas não ocorrem de maneira muito comum no restante do território brasileiro ou na América do Sul.
Trata-se de uma área geográfica única na qual esse patrimônio geológico demonstra o seu potencial na mineração e geologia internacionais. O principal destaque na exploração é a Mina Brejuí, na qual a scheelita é explorada desde a década de 1940. A importância histórica dessa mina e da exploração mineral na região é contada por meio das galerias subterrâneas destinadas à visitação pública, além do museu que conta a história da mineração.
Destacam-se ainda as inúmeras serras que esculpem a paisagem da região do Seridó. Serras que têm rochas que são usadas como telas para as pinturas e gravuras rupestres, locais nos quais existem habitats de inúmeras espécies animais e vegetais ligadas à Caatinga. Marcos Nascimento destaca que tudo isso é de grande importância para a valorização da região e para o seu desenvolvimento sustentável.
Importância Internacional e Impactos locais
Todas as ações desenvolvidas dentro do território do Geoparque são de suma importância para a cultura, para a ciência, para a pesquisa e para a proteção ambiental. O setor do turismo é muito engajado dentro do território, promovendo desenvolvimento dentro de uma perspectiva de economia local. Com a aprovação da Unesco, haverá maior valorização do Geoparque, o que amplia sua visibilidade e tende a fortalecer o turismo na região do interior do Rio Grande do Norte com atividades de ecoturismo e aventura, tão concentradas na faixa litorânea.
Marcos afirma que, como o grupo trabalha de maneira ampla, abordando todas essas oportunidades, isso atrairá maior visibilidade para as geociências. “Nosso patrimônio geológico, que tem valor internacional, será não só reconhecido, mas visto por todo mundo porque agora a gente pode, com a aprovação, integrar-se a uma Rede de Geoparques Mundiais na qual hoje consta 169 geoparques em 44 países. Então isso vai ser uma vitrine para todos aprenderem e conhecerem esse patrimônio geológico que nós temos”, disse.
O professor acrescenta que, com a chancela da Unesco e com a aprovação junto ao Programa Internacional de Geociências e Geoparques, integrando à Rede de Geoparques Mundiais, as possibilidades de ampliar os investimentos no território são enormes, já que o Geoparque terá mais oportunidades para firmar parcerias e ações de cooperação com outros geoparques no mundo. “Concorrer a editais, inclusive internacionais, receber convites para participar de projetos e ter, consequentemente, a possibilidade de novos investimentos no território para favorecer trabalhos junto à conservação, a educação e o turismo”, diz Marcos Nascimento.
O Papel Fundamental da UFRN
Todo o trabalho que envolve o Geoparque Aspirante Seridó vem sendo realizado desde meados de 2010, quando, em parceria com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), do Ministério de Minas e Energia (MME), e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi promovida a primeira fase do projeto: o inventário do patrimônio geológico. Desde então, ficou a cargo da UFRN a realização de diversas outras ações.
“A UFRN é uma condutora dessas ações e a gente aqui, do Departamento de Geologia, vem promovendo vários projetos de pesquisa e de extensão que possibilitam a ampliação desse conhecimento junto à população no território. No entanto, a gente não trabalha isolado. A gente tem parceiros institucionais como a UFRN não só aqui em Natal, mas nos campus de Currais novos, com o pessoal da área de turismo, e em Caicó, com os colegas da área de geografia”, ressalta Marcos.
Entre as ações desenvolvidas, Marcos cita o Geoeducação no Geoparque Seridó em jogos, materiais e atividades lúdicas; Interiorização do Ensino e Divulgação das Geociências por meio do Geoturismo no Geoparque Seridó; Seminário Geoparque Seridó: conservação, educação e turismo; 2º Seminário Geoparque Seridó: Geodiversidade, Geoconservação e Geoturismo; Educação Patrimonial em Meio Natural em Municípios do Geoparque Seridó (Região Seridó, RN); e Roteiros do Seridó: Análise do Potencial Turístico do Seridó Potiguar.
Para o reitor da UFRN, José Daniel Diniz Melo, a missão de reconhecimento é uma grande oportunidade para demonstrar a excelência e o protagonismo da UFRN em ações de preservação ambiental e do patrimônio potiguar, além do científico, como o Geoparque Seridó, destacando o seu potencial e contribuição para o Rio Grande do Norte. “A conquista almejada para o Geoparque Seridó representa um importante potencial de desenvolvimento socioeconômico para a região. Tal consequência coloca em prática a missão institucional da UFRN, parceira e condutora das ações desse relevante projeto”, declara o reitor.
O Geoparque Aspirante Seridó também mantém parceria com o Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do RN (IFRN) em Natal, Parelhas e Currais Novos; com professores e alunos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); e com o próprio CPRM. Essas instituições compõem o comitê científico, dirigido pelo professor Marcos Nascimento. “São projetos de extensão que promovem ações que dão notoriedade ao território seridoense e o enriquecem em termos de informações de cunho científico, com foco na popularização desse conhecimento para a comunidade”, completa.
Ações Educacionais
Todas as ações realizadas dentro do território que levam o nome de Geoparque envolvem educação, conservação e turismo. Um exemplo é o Projeto Cinco Sentidos, coordenado pela diretora executiva do consórcio, Janaína Medeiros, no qual são abordados conhecimentos sobre o meio ambiente e aspectos culturais do Seridó.
Alunos de todas as faixas etárias são contemplados, abrangendo o programa não só o ensino fundamental I e II, mas também o ensino médio e discentes do ensino superior. Isso favorece muito a comunidade local porque ela participa, passa a conhecer melhor e se empodera.
“A gente leva uma interpretação, por exemplo, das paisagens que há no Seridó em uma linguagem mais acessível e fácil, e aí eles conseguem entender e conhecer aquilo que circunda a vida deles no cotidiano. Então esse projeto tem essa perspectiva de popularizar conhecimentos científicos”, conta Marcos Nascimento.
O pesquisador disse ainda que o projeto vem trabalhando com a confecção de livretos educacionais para o ensino fundamental I e II e o ensino médio, mapas mentais explicando os conceitos de geodiversidade, geopatrimônio, e o mapa geoturistico do Geoparque Seridó, além de inúmeros outros materiais, incluindo a criação dos mascotes do Geoparque, que envolve a bio e a geodiversidade e aspectos culturais, inclusive na forma de história em quadrinho e jogos educativos.
“São materiais produzidos pelo geoparque que viabilizam a questão educacional. Com a aprovação da Unesco, isso vai trazer um impacto muito maior porque a gente vai poder trazer isso não só para a população local, como também para outras que estão envolvidas com a temática de geoparques no mundo. Eles vão ver o que a gente produz aqui no Seridó e usar como exemplo em outros países, haja vista o que já é sucesso aqui. E hoje, mesmo tendo a chancela da Unesco, a gente já tem essa visibilidade e reconhecimento como um geoparque que promove diferentes ações e favorece a comunidade em geral, especialmente as locais”, reforçou Marcos.
Segundo o professor, mesmo durante a pandemia foi possível produzir muito material didático que vai favorecer e ampliar ações do território em termos de educação e de turismo. Esses materiais estão disponíveis no site do Geoparque Aspirante Seridó e conseguem atingir muitas pessoas que, mesmo estando em casa, tiveram acesso aos livros de atividades.
“Nós também lançamos o livro Geoparque Seridó: geodiversidade e patrimônio geológico no interior potiguar. Realizamos alguns outros projetos paralelos, como as lives Em casa com o Geoparque Seridó, em que a gente produziu mais de 50 lives conversando com os diferentes atores do território (pessoal da iniciativa privada, gestores públicos, guias, condutores, artesãos e outros) sobre conservação, educação e o turismo no território”.
Os Próximos Passos
A partir do momento em que o Geoparque para reconhecido pela Unesco, várias ações complementadas dentro do território terão de ser realizadas e ampliadas. Um geoparque reconhecido pela Unesco passa por avaliações a cada quatro anos. É necessário que se tenha um plano de gestão com ações pré-definidas para nortear os trabalhos administrativos nos próximos quatro anos em função das revalidações.
A intenção é que o Geoparque apresente sempre novidades, que nascem a partir de sugestões com durabilidade de mais de um ano, por exemplo, para que se possa estar sempre promovendo desenvolvimento e mostrando quão dinâmico o Geoparque é. Já há vários projetos planejados para 2022, com perspectivas de continuidade e outras implantações para 2023.
“Com a aprovação de uma entidade de relevância mundial, que é a Unesco, a gente com certeza vai ter várias oportunidades que a gente não tem hoje. A gente trabalha em rede e essa perspectiva é de suma importância para que possamos dar mais visibilidade ao território do Seridó. E aí, com isso, a gente vai poder fazer com que essa geologia potiguar, que já tem relevância internacional, seja reconhecida mais ainda no âmbito mundial”, finaliza Marcos.
Fontes: Portal da UFRN, Pense Numa Notícia