O Pacote do Veneno (PL 6299/2002) foi aprovado na noite da quarta-feira (09/02), em votação remota. Foram apenas quatro horas de debate entre a aprovação do pedido de urgência e a apreciação pelo plenário virtual para serem estabelecidas alterações na Lei de Agrotóxicos (lei 7802/89). Entre elas, a renomeação dos produtos químicos, que passarão a se chamar pesticidas (“defensivos fitossanitários”).
O greenwashing (em português, “lavagem verde”) defendido pelos deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (nome que é um eufemismo para “bancada ruralista”) faz parte do jogo de marketing e relações públicas que quer ocultar os impactos negativos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente.
Isso num país que há dez anos mantém a incômoda posição de líder mundial do uso de pesticidas, com uma legislação já permissiva, que autoriza a aplicação de substâncias altamente tóxicas, como o glifosato, em quantidades até cinco mil vezes maiores do que o permitido na União Europeia, por exemplo. Resultado: em alimentos como hortaliças, frutas e leguminosas, são 7,3 litros de agrotóxicos consumidos por habitante anualmente e 11 intoxicações humanas por dia em solo brasileiro, totalizando mais de quatro mil só em 2017, segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O projeto flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil, muitos deles cancerígenos, e concede mais poder ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), ao mesmo tempo em que desautoriza a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A aprovação do PL do Veneno marca um retrocesso histórico diante do contexto de crise econômica e de crescimento da fome pelo qual o Brasil atravessa. Mais de 116,8 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, organizado pela Rede PENSSAN.
O relator da matéria, Luiz Nishimori (deputado do PL-PR), foi na mesma linha: “Os pesticidas são remédios para as plantas e a salvaguarda nos plantios”. Ele tem interesse direto na aprovação, uma vez que foi presidente da Mariagro Agrícola Ltda, hoje em nome de sua mulher, Akemi Nishimori. Outra empresa, a Nishimori Agrícola, está em nome de dois filhos. O Tribunal de Justiça do Paraná considerou, em 2015, que as empresas da família pertencem ao mesmo grupo. “Eu peguei o covid ontem. Não queria ser medicado, mas precisei. A planta é a mesma coisa”, acrescentou.
A Mariagro Agrícola Ltda fez um acordo de R$ 1,5 milhão para quitar uma dívida com a Syngenta, líder do mercado mundial de agrotóxicos. A “composição amigável” foi assinada em dezembro de 2020, quando já tramitava na Câmara o Projeto de Lei 6.299/02, conhecido como PL do Veneno, por flexibilizar o uso dos pesticidas no Brasil. O PL é uma das prioridades do governo atual e da bancada ruralista.
Membro ativo da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado foi o relator do texto, que atende aos interesses da multinacional suíça, recentemente adquirida pela estatal chinesa ChemChina, e de outras gigantes do agronegócio. A Syngenta chegou a divulgar nota e vídeo em apoio ao projeto de lei. A FPA é bancada por organizações do setor privado, inclusive aquelas que defendem agrotóxicos, como a Copie e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que tem como associada uma empresa ligada à ChemChina, a Adama.
Para Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação do Pacote do Veneno é “uma verdadeira derrota civilizatória”. E completa: “Num momento em que o mundo está buscando menos poluição, menor uso de recursos naturais, menos contaminação e emissões de produtos poluentes e tóxicos, o que fazemos aqui? O oposto: libera geral para os agrotóxicos. Vemos um grupo de supostos representantes da população decidindo algo completamente oposto ao verdadeiro desejo da sociedade. Além disso, vence o discurso de que vale tudo para produzir mais soja, enquanto o povo passa fome na fila do osso. Somos os campeões da soja e da fome. A quem interessa isso?”, questiona Tygel.
As posições dos ruralistas e de seus aliados vão na contramão de dezenas de instituições científicas, de órgãos técnicos, de representantes do sistema de saúde e de organizações da sociedade civil, que se posicionaram contra o PL. Entre eles estão a própria Avisa, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal e do Trabalho.
O PL da Comida de Verdade
O Pacote do Veneno agrupa projetos legislativos que sofreram modificações e disputas há duas décadas no Congresso Nacional. O compilado de 41 proposições a partir do PL 6.299/2002 e do PL 3.200/2015, com o objetivo de substituir a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). Parte dos projetos buscava ampliar o controle sobre o uso de substâncias tóxicas na produção de alimentos e incentivo à redução do uso. No entanto, a versão votada nesta quarta-feira é amplamente focada na ampliação do uso de agrotóxicos e flexibilização das regras para comercialização e produção.
Em oposição, projetos que visam reduzir uso seguem com tramitação paralisada na casa legislativa. Entre os projetos que ainda não ganharam espaço na Câmara está o que propõe a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNARA (PL nº 6.670/2016). Construída por centenas de entidades do campo e da cidade, ligadas à produção e à defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza, a PNARA vai na contramão do Pacote do Veneno.
Isso porque o PL 6.670 quer a redução gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição orgânica e agroecológica; a reavaliação periódica de registro das substâncias (na legislação atual, o registro é eterno); a proibição da aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas; e a redução da pulverização aérea.
Diga Não ao Pacote do Veneno
“Seguiremos por todos os meios possíveis para barrar este retrocesso. Não vamos desistir de construir um Brasil soberano, agroecológico, e livre de agrotóxicos e transgênicos”, garante o porta-voz da Campanha Contra os Agrotóxicos. A plataforma abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos” soma mais de 1,7 milhão de apoios, e segue aberta a adesões.
Fonte: Racismo Ambiental, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos , o Joio e o Trigo.