O combate ao crime ambiental ganhou recentemente um importante reforço do setor financeiro: o Banco Central do Brasil incluiu em sua norma sobre indícios de lavagem de dinheiro medidas específicas para coibir o comércio de ouro ilegal. Entre elas estão o pagamento em espécie, o ouro extraído de áreas com elevados índices de desmatamento ilegal ou ainda o ouro oriundo de áreas sem indícios de extração. Todas são práticas comuns no “esquentamento” do ouro ilegal.
Essas medidas são cruciais, uma vez que o crime ambiental raramente ocorre de forma isolada. Diferentes crimes convergentes – da fraude à lavagem de dinheiro – impulsionam a dilapidação da floresta amazônica e ameaçam seus diferentes moradores, colocando em risco o equilíbrio ambiental do planeta.
Motivado pelos altos lucros obtidos de atividades como a exploração ilegal de madeira, a mineração ilegal, a grilagem de terra e a pecuária com ilegalidades em sua cadeia, o crime ambiental já é a terceira economia ilícita mais lucrativa, movimentando entre US$ 110 bilhões e US$ 280 bilhões anualmente. Infelizmente, a alta lucratividade não é acompanhada por um controle rigoroso de cadeias produtivas que pressionam o desmatamento nem pela aplicação eficaz da lei.
Enquanto a Amazônia e suas comunidades sofrem as consequências diretas, os ganhos financeiros ultrapassam fronteiras. Ações de comando e controle são fundamentais, mas insuficientes, e a reversão do quadro requer uma multiplicidade de instrumentos, em especial os que visam a descapitalização do crime organizado, e também incentivos para o desenvolvimento de novas economias verdes compatíveis com a preservação da biodiversidade da floresta.
O terceiro estudo da série Siga o Dinheiro, lançado pelo Instituto Igarapé, mergulha na dimensão ilegal de três cadeias produtivas que pressionam o desmatamento para entender como os ilícitos econômicos operam em seus diferentes estágios, da extração ou produção até a venda final do produto.
O trabalho se baseia em análise de 131 operações da Polícia Federal focadas em crimes ambientais na Amazônia, ocorridas entre 2016 e 2022.
No garimpo de ouro, por exemplo, é comum que sejam indicados nos documentos de venda permissões de lavra garimpeira (PLGs) fantasmas: locais de registro válido, mas onde não ocorreu, de fato, a mineração, caracterizando que o ouro foi extraído de outro lugar, provavelmente ilegal. Outra prática identificada foi a emissão de nota fiscal de transações fictícias por distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM).
Na pecuária, foram encontradas declarações de transferências inexistentes entre fazendas para “regularizar” movimentos clandestinos, além do recebimento de gado em frigoríficos sem comprovação de origem. Dessa forma, o gado criado ou engordado em fazendas com passivo ambiental entra no mercado e se mistura com aquele produzido de maneira correta.
Já na cadeia produtiva da madeira, foram identificadas fraudes no documento que permite a exploração de uma determinada madeira em um local, “legalizando” extração ilegal e o transporte de madeira com licenças que não correspondem à espécie, volume e origem real da madeira transportada.
Além disso, plataformas digitais, como Facebook e OLX, estão facilitando a grilagem de terras e lavagem de dinheiro na região amazônica por meio do anúncio e venda de propriedades com uso de perfis anônimos.
O desafio é imenso e urgente. É compreendendo e interrompendo os fluxos econômicos ilícitos ligados às cadeias que pressionam o desmatamento que será possível deter a destruição criminosa da floresta e de seus povos.
E isso requer a colaboração e cooperação interagências, regulação e fiscalização e o comprometimento dos compradores e consumidores em exigir comprovação de origem legal dos produtos extraídos da floresta.
Fonte: Folha SP.
Foto: Fabiano Maisonnave – 13.dez.16/Folhapress.