O Pantanal está em chamas mais uma vez

Parece ironia, mas a maior planície alagável de água doce do mundo, o Pantanal brasileiro teve um aumento de 974 % no número de queimadas só nos cinco primeiros meses deste ano, em comparação ao mesmo período de 2023. Os números foram divulgados pelo WWF-Brasil e revelam o temor de que o bioma fique sujeito novamente a uma tragédia como aquela que aconteceu em 2020, quando incêndios sem controle devastaram quase 30% de sua área e mataram 17 milhões de animais.

Segundo o WWF, que analisou dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as chuvas abaixo da média desde o final do ano passado contribuíram para que já fossem registrados 880 focos de queimadas em 2024.

O tamanho da devastação causada pelo fogo no pantanal alcançou um novo patamar alarmante. De janeiro até esta terça-feira (11), 372 mil hectares foram atingidos por incêndios, área que supera a de duas cidades de São Paulo.

Os dados são do Programa de BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Lasa (Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais), do departamento de meteorologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O valor acumulado neste ano é o segundo maior dos últimos 15 anos, atrás apenas de 2020, quando foram registrados 2.135 focos. Naquele ano, cerca de 30% do bioma foi consumido pelas chamas. Até maio deste ano, 332 mil hectares do bioma, que se espalha por Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, já foram consumidos pelas chamas. A extensão destruída já superou em 54% o registrado no mesmo período de 2020, o pior ano da série histórica. devastada pelo fogo.

Até esta sexta-feira (14), o bioma já teve, em 2024, 2.019 focos de incêndio,. Em comparação, em 2023, durante o mesmo período, foram 133 focos. Nos últimos dez dias, o fogo consumiu o equivalente a 59 mil campos de futebol.

Escassez hídrica preocupa

Os especialistas alertam que a temporada de seca no bioma está apenas começando e historicamente, os incêndios na região acontecem entre agosto e outubro, com um pico em setembro.

Para agravar a situação, o rio Paraguai, o mais importante do Pantanal, apresenta um nível baixíssimo e há receio que atinja uma marca histórica negativa.

DE acordo com a ONG SOS Pantanal existe uma preocupação especial com a situação hídrica. A ONG alerta que a seca reflete diretamente nos recursos hídricos e indica grave escassez da região hidrográfica do Rio Paraguai, o que coloca o estado em situação de risco para quem depende do uso da água.

O cenário é de situação “crítica e perigosa, potencializando os riscos para a ocorrência de incêndios florestais no Pantanal”, também amparada pelo Monitor da Secas da Agência Nacional de Águas (ANA) em relação ao Rio Paraguai.

Em Corumbá, uma das principais cidades do Pantanal sul-mato-grossense, praticamente não chove há mais de 50 dias, de acordo com meteorologistas da região. Com os incêndios florestais e a baixa umidade do ar, uma densa fumaça se concentra sobre a cidade.

Para especialistas, a situação atual é resultado de seca severa no bioma, que se arrasta pelos últimos anos e foi potencializada pelo fenômeno climático El Niño, e de falta de articulação para ações preventivas contra o fogo.

Os picos de queimadas no bioma costumam ocorrer em setembro. Assim, com a situação já agravada no primeiro semestre e vinda de um fim de ano com alta de incêndios — em novembro de 2023, foram 4.134 focos de calor, o maior índice já medido pelo Inpe para o período. —, a ONG SOS Pantanal encaminhou nesta semana uma nota técnica cobrando ações.

O documento foi endereçado aos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), exigindo um trabalho conjunto mais eficiente e alinhado.

Gustavo Figueirôa, biólogo e porta-voz do SOS Pantanal, destaca que os esforços empregados em pessoal e equipamentos, como aeronaves, ainda não são suficiente para atender a demanda.

“O pantanal é um lugar difícil de acesso e a logística é complicada, mas recursos há para isso. Ainda há um número menor [de servidores] do que o necessário para começar a enfrentar esse problema da maneira correta. Precisamos de mais homens, mais equipamentos, helicópteros, aviões, à disposição para fazer esse combate de uma maneira eficaz.”

Nesta sexta-feira, o governo federal criou uma sala de situação para lidar com as queimadas e com a seca, especialmente no pantanal. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, liderará reuniões a partir da segunda (17) para discutir soluções a simplificação na contratação de brigadistas, equipamentos e aeronaves, entre outras medidas.

O pantanal, maior planície alagável do mundo, recebe a água das chuvas das regiões de planalto, da bacia do Alto Paraguai. Numa situação normal, o ciclo das águas começa em outubro, com picos em dezembro e janeiro, se prolongando até março, no máximo. Nas enchentes, as águas transbordam dos rios, conectam lagoas e emendam as imensas áreas alagadas.

Nos últimos anos, a dinâmica não tem funcionado dentro da normalidade. De acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), a bacia do Alto Paraguai, entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, acumula déficits de chuva desde o verão de 2019/2020.

Os pesquisadores do órgão apontam ainda que a situação hidrológica atual é considerada crítica no bioma, tendo registrado seca excepcional em algumas áreas, o mais alto grau no ranking de classificação, nas estações pluviométricas de Ladário e Porto Murtinho, ambas em Mato Grosso do Sul.

De acordo com o Serviço Geológico Brasileiro, o rio Paraguai, o principal da região, apresenta os menores níveis históricos.

O Cemaden frisa que a seca afeta as áreas agroprodutivas e que há alta probabilidade de fogo especialmente em Mato Grosso do Sul. Todo o pantanal está em estado de atenção e alerta, diz a nota.

Figueirôa, do SOS Pantanal, afirma que a maior parte do fogo é causada por ações humanas, sejam intencionais ou não. As principais vítimas acabam sendo a vegetação nativa e a fauna, como macacos de diversas espécies, cobras, onças-pintadas, ariranhas, cervo-do-pantanal e araras-azuis, que estão ameaçadas de extinção.

Isabelle Bueno, coordenadora de operações do Instituto Homem Pantaneiro, explica que as altas temperaturas e o vento na região neste momento facilitam que o fogo se espalhe.

“O acesso nas áreas do pantanal dificulta um combate direto. Então, existem trabalhos de monitoramento e de proteção das comunidades, das estruturas físicas e das pessoas, mas ainda exige bastante, principalmente, apoio aéreo nesses combates, que é uma dificuldade que a gente tem hoje”, ressalta Bueno.

O WWF-Brasil também compartilhou um levantamento sobre as queimadas na Amazônia e no Cerrado. No primeiro, o aumento de janeiro a maio de 2024 chegou a 107%, em relação aos cinco primeiros meses do ano passado, e no segundo, o crescimento foi menor, de 37%. Mesmo assim, o que se quer ver é a redução.

“Os biomas brasileiros estão conectados, por exemplo, pela água. E isso significa que são também interdependentes quando se trata das consequências da crise climática. Assim, a conversão e o desmatamento do Cerrado geram desequilíbrios para a Amazônia e o Pantanal, afeta a disponibilidade hídrica em outros ecossistemas, contribui para secas, aumento das queimadas, ondas de calor e até tempestades, como as que afetaram o Rio Grande do Sul”, diz Daniel Silva, especialista em conservação do WWF-Brasil.

Fontes: Folha SP, g1, Isto É, Climainfo.

Foto: Lalo de Almeida – 13.ago.2020/Folhapress.