Quando observamos a relação entre todas as formas de vida e o mundo que as abriga, é possível distinguir uma teia ecológica, conectando plantas, animais e fungos em um vínculo de interdependência. A natureza é baseada nisso: organismos que compõem comunidades, que interagem e formam os ecossistemas – ou “sistema da casa”, em latim.
Mas, nessa complexa e ampla teia, a ausência de um animal pode causar desequilíbrios, que extinguiriam espécies e desregulariam completamente a vida do ser humano. Esse bicho é bem menor do que se espera, quando se pensa no impacto que sua ausência criaria.
“Se as abelhas deixassem de existir, o mundo entraria em um caos sob diferentes aspectos”, revela Carlos Alfredo Lopes De Carvalho, engenheiro agrônomo doutor em entomologia.
O ‘elo’ do meio ambiente
“A importância das abelhas para o meio ambiente se explica por um simples fato: elas possuem papel chave para plantas e animais”, esclarece Bruno Freitas De Conti, também engenheiro agrônomo e mestre em entomologia.
Em relação às plantas, o inseto é responsável por polinizar diferentes espécies vegetais, um dos mais importantes serviços ecossistêmicos: esse processo de transferência de grãos de pólen para o estigma da flor resulta na reprodução das plantas, que, por sua vez, cria frutos e sementes.
A partir desse ponto, é clara a relação com os demais organismos da natureza. As plantas e frutos constituem, em meio natural, a base da alimentação de animais herbívoros, que, por sua vez, são a base de alimentação de animais carnívoros – e até a dos seres humanos. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, é estimado que um terço dos alimentos consumidos globalmente é dependente do trabalho das abelhas.
A pesquisa indica, ainda, que o inseto é responsável pela polinização de 80% dos cultivos no planeta. E, junto com outros estudos, os argumentos levantados pela Universidade de Cornell acrescentaram à ideia do bee apocalypse (do inglês, apocalipse das abelhas), que diz que a vida na Terra acabaria caso as abelhas fossem extintas.
“É nesse contexto que se justifica a importância das abelhas para o meio ambiente e toda a preocupação com a sua preservação, uma vez que se trata de um elo fundamental no equilíbrio entre as comunidades vegetal e animal”, continua Carlos.
O que aconteceria se as abelhas fossem extintas?
Além do impacto direto na alimentação de animais herbívoros e carnívoros causadas pela dependência da polinização, a ausência do inseto ocasionaria na perda da diversidade vegetal e animal. Atividades humanas também seriam impactadas, desde a produção de alimentos de origem vegetal e animal até a fabricação de fármacos, cosméticos, bebidas, cultura, lazer e outros fatores associados a produtos e subprodutos das abelhas.
“Considerando o extenso número de espécies vegetais polinizadas por abelhas, a ausência delas poderia provocar o desequilíbrio de diversos ecossistemas. Além dos impactos no meio ambiente, a produção agrícola de diversos itens de consumo básico estaria ameaçada”, acrescenta Bruno.
Dessa maneira, o recente – e brusco – declínio populacional das abelhas se configura como um cenário preocupante no meio ambiente.
A ameaça às abelhas
Um levantamento realizado pela Agência Pública e Repórter Brasil em 2019 revelou que meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas no país. O número se soma a uma constante dizimação desses insetos, que andam sendo incluídos aos poucos na lista de espécies em extinção desde 2016.
De acordo com Carlos, vários motivos podem ser associados a essa diminuição. Entre eles, encontra-se a redução da área vegetal ou a sua simplificação, que impacta na qualidade nutricional das abelhas e pode impedir o fluxo gênico (ou mistura) das populações. Isso causa uma perda de diversidade genética e aumenta, também, o risco ao animal.
Quando associado aos fatores externos estressores, como o aquecimento global, agrotóxicos e poluição em geral, essas condições podem baixar a resistência desses insetos à doenças e pragas. “As abelhas podem sofrer infestações de ácaros parasitas e infecção por diversos microorganismos, como fungos, vírus e bactérias. Por isso é necessário um olhar mais cuidadoso para com elas”, ressalta o profissional.
Tal fato é exemplificado por uma pesquisa de 2020 realizada pela Academia Chinesa de Ciências e pela Universidade Nacional de Singapura, que expõe que, desde 1970, há um novo padrão de distribuição de abelhas no mundo. Segundo os cientistas, elas estão se concentrando em áreas que antes não seriam a sua primeira escolha, em virtude do desmatamento e mudança climática.
Bruno argumenta que, “para entendermos o que podemos fazer para proteger as abelhas, basta pensarmos em como podemos atenuar as modificações que fizemos no meio ambiente”.
Como proteger as abelhas?
A arborização de áreas urbanas com espécies adequadas, redução da poluição do ar e da água, implementação de parques e hortas urbanas, de acordo com o profissional, podem contribuir para a manutenção das populações de abelhas. Além disso, o uso de defensivos no campo que não as afetem e a manutenção das áreas de reserva legal e de proteção permanente são outras iniciativas para a conservação desses insetos.
“Se apoderar de informações qualificadas, de forma a entender melhor a rede de relações que existe entre a nossa vida cotidiana, o meio ambiente e os setores produtivos também pode ajudar”, acrescenta Carlos. A mudança, para ele, pode começar mesmo pequena: contribuir com ações de preservação e plantio de árvores na região e participar de eventos de educação ambiental também significa cuidado com o inseto.
“Juntos, temos condições de contribuir de maneira definitiva para a manutenção das populações de abelhas em nosso país”, finaliza Bruno.
Fonte: Revista Casa e Jardim.