Os manguezais estão na lista dos mais produtivos ecossistemas do mundo, de acordo com especialistas. Segundo a Convenção de Ramsar (Convenção sobre as Áreas Úmidas de Importância Internacional), os ecossistemas de mangue são únicos, raros e extremamente ricos em biodiversidade. Com espécies da flora, fauna e até solo exclusivos, esse ambiente, quando gerenciado de forma sustentável, tem um papel importante na mitigação das mudanças climáticas, na proteção de zonas costeiras e na subsistência de milhões de pessoas.
Entretanto, segundo a Unesco, as áreas úmidas estão desaparecendo três a cinco vezes mais rápido do que as outras florestas no mundo, trazendo sérios impactos ecológicos e socioeconômicos. O órgão estima que a cobertura de mangue global foi reduzida à metade da área original nos últimos 40 anos.
O que são os manguezais
No livro Os Manguezais e Nós, a bióloga Marta Vannucci, uma das pioneiras em estudos oceanográficos no Brasil e responsável por mais de 100 publicações científicas sobre os mangues, descreve as florestas desse ecossistema como “grandiosas, únicas e maravilhosas”. Trata-se de um lugar que funciona como uma transição do meio marinho para o terrestre, comumente encontrado em regiões tropicais e subtropicais onde a vida é controlada pelo ritmo das marés.
Tipicamente costeiros, os ambientes de mangue prosperam em estuários, ou seja, “lagoas ou áreas alagadas que se formam quando as águas doces provenientes de rios e córregos fluem até o oceano e se misturam com a água salgada do mar”, diz Octavio Aburto, fotógrafo, oceanógrafo e explorador da National Geographic em entrevista à reportagem.
Por serem donos de características tão específicas, os manguezais abrigam espécies únicas, como algumas adaptadas para ambientes com água salobra (onde a salinidade é maior que nos rios e menor que no mar).
Árvores típicas do ecossistema, os mangues propriamente ditos, chamam atenção por suas raízes, que ficam expostas acima do solo lodoso e formam redes complexas capazes de sustentar os altos troncos e as copas cheias.
Onde encontramos ecossistemas de mangue
Os manguezais colonizam os litorais de 123 nações e territórios pelo mundo, segundo a Unesco. Entretanto, eles ainda são considerados ecossistemas raros, já que representam menos de 1% das florestas tropicais e menos de 0,4% das superfícies florestais do planeta.
Ainda que espalhados por todo o mundo, apenas um punhado de países abriga mais de 70% dos manguezais do planeta. “Países como Indonésia, Austrália, Brasil, México, Malásia, Índia, Papua Nova Guiné e Bangladesh concentram dois terços dos ecossistemas de mangue no mundo”, explica Aburto. “São países localizados no meio dos trópicos, com extensos litorais e clima quente, essenciais para o desenvolvimento de mangues.”
Só no Brasil, de acordo com o levantamento do Atlas dos Manguezais do Brasil, lançado pelo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em 2018, existem aproximadamente 14 mil km² de florestas de mangue ao longo do litoral. Isso coloca o país como o segundo com a maior extensão de manguezais no mundo, com 12% do total, atrás apenas da Indonésia.
Espécies encontradas nos manguezais
Segundo Monica Tognella, oceanógrafa professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), as espécies que habitam os manguezais dependem “dos ambientes marinho e terrestre que delimitam as florestas de mangues”, ou seja, os manguezais também abrigam a biodiversidade dos ecossistemas com os quais fazem fronteira. Na prática, Tognella relata que é possível encontrar primatas, aves como a águia, répteis marinhos e terrestres e até felinos, como é o caso das onças-pintadas na América do Sul, e dos tigres-de-bengala nos manguezais de Bangladesh.
Mas existem animais e plantas comuns entre todos os manguezais: “Sempre será possível encontrar uma variedade grande de moluscos, crustáceos, caranguejos e camarões.
Por que os manguezais são importantes
Com toda essa biodiversidade, os manguezais também são responsáveis por inúmeros serviços ecossistêmicos, que beneficiam tanto os seres humanos quanto às demais espécies que os habitam. A importância dos manguezais vai desde a proteção de costas e controle climático até a reprodução de espécies.
“O emaranhado de raízes e o solo rico em nutrientes formam um excelente berçário para muitos animais, principalmente marinhos, que vivem nas raízes submersas quando jovens e seguem para o mar aberto depois de adultos”, explica Aburto.
“Por exemplo, entre as espécies de interesse comercial, a tainha, o linguado, a sardinha e o mero são altamente dependentes do manguezal para a manutenção de suas populações”, diz Monica Tognella, da Ufes.
Outro serviço prestado é a redução da vulnerabilidade de zonas costeiras a perigos naturais. “[O manguezal] impede a erosão das costas e protege qualquer infraestrutura, sejam casas, hotéis, ou outros empreendimentos, porque consegue barrar a paraça das ondas e de tempestades”, diz Aburto.
Segundo a Unesco, uma faixa de 500 metros de mangues consegue diminuir a altura das ondas que chegam ao litoral em 50 a 99%.
Em relação ao controle climático, os manguezais também são importantes sequestradores de carbono. “Eles sequestram CO2 da atmosfera 50 vezes mais rápido do que qualquer outra árvore, e o armazenam no solo em uma quantidade que pode ser até cinco vezes maior do que qualquer outra floresta”, diz Aburto. Dados da Unesco mostram que um hectare de bosque de mangues é capaz de armazenar 3.754 toneladas de carbono, o equivalente ao emitido por 2.650 carros em um ano.
O Atlas dos Manguezais do Brasil reforça que elas também impactam na sobrevivência humana no dia a dia. O documento informa que, aproximadamente 120 milhões de pessoas em todo o mundo vivem a pelo menos 10 quilômetros de distância de áreas significativas de mangue, se beneficiando deles de diversas formas, como com a pesca e extração de produtos florestais.
Ameaças aos manguezais
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) alerta para os danos aos manguezais causados por extração predatória de lenha e alimentos (caranguejos, lagostas, peixes, camarões, etc.); retirada da vegetação nativa para culturas agrícolas – como arroz, cana-de-açúcar, palmeiras (extração de óleo de palma); e construção de estradas, imóveis e grandes empreendimentos turísticos.
Segundo o IUCN, nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 36% dos seus manguezais. Só no Brasil, de acordo com o Atlas, 25% das florestas de mangue foram destruídas desde o começo do século 20. A situação é particularmente grave nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, que apresentam um alto nível de fragmentação – estimativas recentes sugerem que cerca de 40% do que um dia foi uma extensão contínua de manguezais já não existe mais.
Como ajudar na conservação de manguezais
“O primeiro passo é saber mais sobre eles”, diz Aburto. Segundo ele, por ser um ambiente que ocorre em poucas áreas do planeta, há quem não saiba da sua existência, o que dificulta ações coletivas de conservação. “Muitas pessoas consomem produtos que vêm ou dependem dos manguezais, mas nunca ouviram falar desse ecossistema. Como se protege algo que não se conhece?”
Fonte: National Geographic.
Foto: Octavio Aburto.