Atualmente, existem dezenas de milhares de cavernas conhecidas em todo o mundo e outras são descobertas todos os dias. Na verdade, muitas das cavernas do planeta permanecem inexploradas.
“Se você voltar à era de ouro das explorações – a busca pela fonte do Nilo, a corrida rumo ao Polo Sul – não havia satélites, nem aviões”, relembra Short. . Ele é um dos mais famosos mergulhadores e exploradores de cavernas do mundo e chefia as missões subaquáticas da Deep Research Labs.
Para ele, “a exploração de cavernas é o último campo que possibilita a exploração pura. [Quando você entra em uma caverna inexplorada] Você vai para um lugar do planeta onde nada esteve antes – nenhum drone, nem a tecnologia moderna.”
Short destaca que, nas cavernas, podem ser encontrados tesouros – “novas espécies, novas curas para doenças”.
Algumas cavernas são tão grandes que já foram relatados sistemas meteorológicos próprios. Outras são tão profundas que ainda não se conseguiu chegar até o fundo.
As cavernas contêm segredos da evolução humana, da vida que veio antes de nós e de milênios de impactos climáticos. E não são apenas repositórios de memórias distantes, mas pontos cruciais para a biodiversidade e o endemismo. Elas são ecossistemas completos e cheios de vida.
Foi o que o entomólogo Leonidas-Romanos Davranoglou, da equipe de pesquisa Expedition Cyclops e estudante de pós-dourado da Universidade de Oxford, no Reino Unido, encontrou ao caminhar até as montanhas Ciclopes, na região de Papua, na Indonésia.
A Expedition Cyclops é liderada por pesquisadores da agência de pesquisa governamental da Indonésia Badan Riset Dan Inovasi Nasional (BRIN), pelo Centro de Conservação de Recursos Naturais de Papua Ocidental (BBKSDA, na sigla em indonésio), pela ONG conservacionista Yayasan Pelayanan Papua Nenda (Yappenda) e pela Universidade de Oxford, em conjunto com estudantes de zoologia da Universidade Cenderawasih, na Indonésia.
Em 2023, a equipe escalou montanhas quase verticais, atravessou densa vegetação rasteira e construiu um acampamento completo, com um laboratório de trabalho feito de bambu.
Davranoglou conta que, se você ficar parado por um momento na região das montanhas Ciclopes, sanguessugas, brilhantes e escuras como o chão da floresta, irão se aproximar de todas as direções. Elas estão caçando você, seguindo minúsculas vibrações na terra, sua sombra e sua respiração.
“Em Papua, é muito úmido e as sanguessugas vivem em absolutamente toda parte – nas árvores, no chão, nos arbustos”, explica Davranoglou.
Na floresta das montanhas Ciclopes, todas as formas de aranhas e cobras venenosas, além de mosquitos e carrapatos vetores de doenças, perseguem os poucos que se aventuram por aquela terra praticamente inexplorada.
Apesar dos riscos, a equipe estava determinada a “realizar a pesquisa mais abrangente sobre aquele ecossistema”, segundo Davranoglou. E, durante o processo, eles coletaram a primeira evidência fotográfica que confirma a sobrevivência do peixe conhecido como equidna-de-attenborough.
Eles também redescobriram uma ave que havia sido perdida pela ciência há mais de 15 anos, encontraram um novo gênero de camarão que mora em árvores, incontáveis novas espécies de insetos e até um sistema de cavernas antes desconhecido.
Davranoglou e o líder da expedição, James Kempton, retornaram à caverna diversas vezes. Na terceira ocasião, Kempton estava sozinho no subterrâneo, patrulhando caminhos para prosseguir com a exploração, quando a terra começou a tremer. Poeira caiu das rachaduras e os morcegos começaram a voar em pânico.
“Papua é uma das áreas com maior atividade tectônica do mundo”, explica Davranoglou. “Sentimos tremores de terra todo o tempo.”
Do lado de fora, “você observava enormes rochedos caindo [nas encostas]. Houve então esse enorme terremoto que sacudiu [Kempton] dentro de uma caverna extremamente estreita, cheia de rochas.”
“Nossos alunos esperaram fora da caverna, cheios de medo, para ver se ele iria sair”, ele conta. “Eles gritaram de alegria quando ele chegou em segurança.”
A equipe descobriu um “tesouro” de espécies subterrâneas, incluindo aranhas cegas, opiliões cegos e um escorpião-chicote, todos desconhecidos da ciência até então.
“Ficamos totalmente eufóricos, pois descobrimos um ecossistema escondido com muito potencial”, relembra Davranoglou. “E, como exploramos apenas os primeiros 40 metros, nós apenas raspamos a superfície. Quem sabe o que existe abaixo disso.”
“Papua é a ilha com maior biodiversidade do mundo”, segundo ele. Davranoglou espera que um novo nível de compreensão da sua biodiversidade possa orientar a criação de medidas de conservação para proteger aquele precioso ecossistema.
“A descoberta de cada nova espécie pode contar a evolução de toda uma linhagem”, explica ele.
“Ela pode ajudar você a entender como os organismos eram distribuídos no passado e quais fatores ecológicos e geológicos dirigiram a formação de diferentes grupos de espécies. E, com estes dados, podemos também compreender fatores que poderão afetar a distribuição das espécies e seu destino no futuro.”
“As cavernas precisam ser protegidas”, afirma a professora de ciências geológicas Hazel Barton, da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos. Barton é geomicrobióloga e estuda os micróbios que vivem em alguns dos ambientes mais extremos da Terra.
Barton estuda há mais de 20 anos a vida microscópica encontrada nas profundezas da terra, capaz de sobreviver à extrema falta de alimento. Suas pesquisas ampliam nosso conhecimento sobre a resistência antimicrobiana e o que a capacidade de fotossíntese – em um ambiente que, para o olho humano, parece totalmente escuro – pode nos contar sobre a possibilidade de vida extraplanetária.
“A um quilômetro da entrada, ainda existe fotossíntese”, explica Barton, “mas ela é deslocada para o infravermelho próximo.”
“Existem estrelas que emitem apenas nesses comprimentos de onda. Por isso, este estudo pode nos ajudar a entender como é possível haver vida em outros planetas.”
Para Barton, a exploração de cavernas é o mais próximo que podemos chegar de sermos astronautas, sem sair para o espaço.
Fonte: BBC Future.
Foto: Fran Gomez de Villaboa.