Os gigantescos buracos que engolem bairros inteiros pelo mundo

Crateras que ameaçam cidades vem ocupando nos últimos dias bom espaço em nossas diversas mídias. Mas não é um assunto novo, infelizmente é uma velha desgraça que, por culpa da inação de nossas administrações públicas, vem desde há muito assolando e gerando prejuízos imensos à economia e à sociedade brasileiras.

É um tipo de cânion, que nasce de uma das formas mais agressivas de degradação do solo, causada pela água da chuva e de outras fontes.

Esse fenômeno é conhecido como voçoroca, palavra que significa “terra rasgada” em tupi-guarani.

E avança em uma velocidade preocupante, destruindo milhares de casas na América Latina e na África.

Os riscos aumentam se as áreas não contam com infraestrutura específica (para evitar a chegada da água da chuva até a região da erosão) e nem saneamento básico (a água do esgoto muitas vezes corre para as voçorocas).

O Brasil é o país mais afetado na América Latina, mas Argentina, Colômbia, Equador e México também enfrentam problemas com esse fenômeno geológico. E em países da África como Angola, República Democrática do Congo e Nigéria, o problema já tem status de crise nacional.

Esse tipo de erosão também ameaça áreas agrícolas férteis em partes da China, Europa e dos Estados Unidos.

Dos processos erosivos que assolam o país em suas áreas rurais e urbanas, a voçoroca é sem dúvida o de maior energia destrutiva. Por essa característica atraiu a atenção de muitos pesquisadores e estudiosos dos campos da geologia, da geotecnia e da agronomia, pelo que o fenômeno foi, já há décadas, muito bem estudado, tanto em suas causas como nas medidas e serviços para sua prevenção e para sua estabilização.

Infelizmente, como acontece com muitas outras situações, o desenvolvimento técnico verificado não foi suficiente para que medidas de gestão territorial e medidas localizadas de engenharia geotécnica ou manejo de solos fossem largamente adotadas, o que teria já aliviado o país de boa parte dos enormes prejuízos sociais e econômicos decorrentes desses processos erosivos.

Há dois “selos” naturais que protegem os solos da erosão: a cobertura vegetal e a camada superficial dos solos. A cobertura florestal tem um fantástico poder agregador das partículas do solo e de defesa direta da ação das águas superficiais. Através da agricultura e da urbanização o Homem sistematicamente elimina esses dois agentes naturais protetores.

Como desgraçadamente não adota, em contrapartida, técnicas que evitem e/ou controlem a ação direta dos agentes erosivos sobre os terrenos, o Homem tem se constituído no principal fator causal dos gigantescos e catastróficos processos erosivos que acontecem hoje em todo o mundo, especialmente incidentes nos países em desenvolvimento, onde se dá uma permanente expansão das fronteiras agrícolas e urbanas.

No Brasil, o principal agente erosivo é a água associada a chuvas torrenciais. A erosão pluvial pode ser laminar, quando não sulca os terrenos, ou linear, quando age concentradamente sobe o terreno, escavando-o em sulcos, ravinas (sulcos mais profundos) ou Voçorocas.

As Voçorocas evoluem remontantemente com energia e velocidade muito grandes, podendo alcançar profundidades de várias dezenas de metros e larguras de até centena de metros. Zonas rurais e cidades brasileiras que, adicionalmente, assentam-se sobre solos mais arenosos, pouco argilosos, e por isso mais erodíveis, são testemunhas do enorme poder de destruição das Voçorocas.

Como chega a esse ponto?

O desmatamento é um fator que contribui decisivamente para o surgimento de voçorocas.

Buriticupu, área de floresta amazônica, hoje em dia tem um aspecto árido e pedregoso. Mas já foi rica em árvores como cedro, jatobá e ipê de diversas cores.

Nos anos 1990, a indústria madeireira se instalou na região. Mais de 50 serrarias trabalhavam 24 horas por dia.

“A questão da vegetação é primordial, porque durante um evento chuvoso ela diminui o impacto da gota de chuva no solo.” Edilea Dutra Pereira – Geóloga e professora da Universidade Federal do Maranhão.

Quando a água da chuva não é absorvida no solo por plantas e árvores, ela empurra partículas do solo e varre a superfície, canais se formam e desgastam o solo. Isso leva ao desenvolvimento de ravinas e voçorocas.

A mudança climática, por meio de chuvas extremas, pode agravar o processo em áreas vulneráveis ao aparecimento de erosões.

Buriticupu tem registrado mais tempestades do que no passado, diz Juarez Mota Pinheiro, climatologista da Universidade Federal do Maranhão.

Nos primeiros meses de 2023, o Estado do Maranhão enfrentou uma das piores enchentes de sua história. Mais de 60 cidades entraram em estado de emergência, milhares de pessoas ficaram desabrigadas e houve dezenas de mortes.

Voçoroca em Buriticupu

“A intensidade da chuva tem previsão de subir de 10% a 15% (globalmente, até o fim do século). Pode não parecer muito, mas se você tem cada vez mais episódios de chuva extrema, a dinâmica da erosão muda”, afirma o pesquisador Matthias Vanmaercke, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica.

Ele e seu colega Jean Poesen analisaram dados de mais de 700 voçorocas ao redor do mundo e concluíram que, se a intensidade da chuva aumentar nesse nível, o risco de erosões como as de Buriticupu pode dobrar (e até triplicar, em caso de um cenário ainda pior).

“É difícil encontrar um cientista decente que não vá concordar que a mudança climática piora o problema”, diz Vanmaercke.

Medo da chuva

O fenômeno atinge milhões pelo mundo, principalmente na África.

Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, tem centenas de voçorocas — uma delas de 2 km de extensão. São mais de 165 km desse tipo de erosão em uma cidade de 12 milhões de habitantes.

Em dezembro de 2022, em uma noite de forte chuva, 60 pessoas morreram após suas casas serem engolidas por uma gigantesca erosão.

A partir do perfeito conhecimento de sua dinâmica de formação, as recomendações técnicas para que tanto no meio rural como no urbano as Voçorocas sejam preventivamente evitadas e corretivamente estabilizadas surgiram com clareza e naturalidade no meio técnico.

Diversas alternativas estão à disposição para que se alcancem esses objetivos:

– os escoamentos concentrados de água produzidos por algum tipo de ação humana, no caso da impossibilidade de evitá-los, não podem ser lançados diretamente sobre os terrenos desprotegidos e devem ser conduzidos em estruturas construídas de alvenaria, dutos, escadas d’água, dissipadores de energia hidráulica, etc., até o curso d’água natural ou lago mais próximo, ou estruturas especiais de infiltração (o lenços freático agradece).

No caso da estabilização de uma voçoroca já desenvolvida, a primeira medida essencial está justamente em impedir que águas superficiais concentradas continuem a correr para dentro de sua “cabeceira” principal e das “cabeceiras” de suas eventuais (e comuns) ramificações. Quanto ao interior da voçoroca, a medida essencial é impedir que as águas do lençol e as águas de chuva que ainda aí incidam continuem transportando o solo para jusante.

Para tanto são providenciais estruturas/barreiras transversais auto-drenantes (por exemplo, diques de gabião), quantas se fizerem necessárias, que retenham o material eventualmente transportado e permitam que a água se escoe livremente. Essas estruturas não devem ser rígidas (concreto), pois que sofrerão algum natural acomodamento e, sendo rígidas, irão sofrer danos comprometedores.

Interrompidos esses dois processos, o externo e o interno, a voçoroca tenderá a um natural processo de estabilização, que irá evoluir para a recuperação vegetal do terreno afetado. Obviamente o Homem poderá acelerar em muito essa recuperação vegetal.

Fontes: BBC News, Ecodebate, G1.

Foto: JN.