Os impactos das mudanças climáticas na produção agrícola do Brasil

O ano de 2023 foi o mais quente da história desde 1850 e especialistas já levantam a possibilidade de que 2024 seja ainda mais quente. Esse recorde é consequência das alterações climáticas causadas pela humanidade e impulsionado pela ocorrência de um intenso El Niño, em que o aquecimento das águas do Pacífico causa impactos globais, mas que são muito mais intensos na América do Sul.

As altas temperaturas e a mudança nos padrões de chuva já estão ocorrendo em vários locais — como na Amazônia, onde tivemos recentemente uma seca histórica — e mostram a dimensão do desafio que temos que enfrentar daqui para a frente.

O que sabemos hoje é que vamos ter de nos adaptar a novas condições ambientais. Temperaturas mais altas, alterações na disponibilidade de água e eventos climáticos extremos (como chuvas e secas) vão nos desafiar a mudar a forma da produção agrícola, como e onde construímos nossas casas e até como cuidamos das áreas naturais e da biodiversidade.

Quando falamos especificamente em produção de alimentos e adaptações a mudanças climáticas podemos claramente diferenciar dois sistemas de produção muito característicos não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul: o agronegócio extensivo produtor de commodities, que respondem às paraças de mercado; e os modelos de pequena produção, que podem apoiar a subsistência ou modelos mais diversificados de valor comercial.

Nesse contexto, a vulnerabilidade da produção agrícola aos efeitos das mudanças climáticas será mais intensa conforme os seguintes aspectos: a capacidade de transformação nas áreas de produção, o acesso a recursos tecnológicos e a capacidade financeira para promover as adaptações necessárias. Para a capacidade de transformação temos um cenário em que as áreas de produção agrícola seriam transferidas para áreas com condições mais amenas ou de menor risco.

Hoje, o aumento da temperatura é compensado em regiões de maior altitude, e áreas de inundação são evitadas mudando o plantio para aquelas mais distante dos cursos d’água. Pesquisas indicam que, nos próximos 40 anos, 2,7 milhões de hectares de áreas naturais de alta altitude se tornarão áreas agrícolas.

No entanto, sabemos que essa expansão contínua da área agrícola traz problemas como aumento do desmatamento e o abandono de áreas esgotadas pela degradação. Existem outras formas de promover uma transição agrícola, aplicando modelos de produção comprovados, capazes de suprir a demanda global por alimentos sem desmatar.

Entre os exemplos dessas práticas estão a expansão da agricultura em pastagens já desmatadas no Cerrado; o aumento da produtividade da pecuária de três a cinco vezes o nível atual; e modelos de bioeconomia, como sistemas agroflorestais e manejo sustentável de produtos florestais não madeireiros (PFNMs), como frutos, óleos e sementes, que podem trazer benefícios concretos para pequenos produtores.

Já o outro determinante da vulnerabilidade é o acesso a recursos tecnológicos, que, entre outros, estão relacionados à oferta de novos recursos genéticos e de manejo ou de previsão climática que permita antecipar respostas a eventos extremos. A possibilidade de deslocamento da produção e o acesso a recursos tecnológicos estão claramente ligados à capacidade econômica para realizar investimentos.

Assim, as populações rurais menos capitalizadas são as mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas por estarem em locais de maior risco, sem habilidade de realizarem mudanças significativas em seus processos produtivos e com menor capacidade de responder a eventos climáticos. Para esses casos, a assistência técnica agronômica é chave para trazer as inovações tecnológicas e de manejo adequadas aos desafios da pequena produção.

Caminhos possíveis

Entretanto, a produção do agronegócio extensivo também está suscetível aos danos causados pelas mudanças climáticas. As extensas áreas de plantio e produção pecuária apresentam uma temperatura mais elevada, sendo capazes de causar alterações climáticas regionais por si só. A pequena produção, por sua vez, está muito mais próxima de uma transição agroflorestal ou de sistemas integrados (que são diversificados), em que a utilização dos recursos naturais tende a ser mais sustentável.

Um exemplo de integração da produção com a manutenção da floresta, com duplo ganho (o ambiental e o econômico) são projetos que unem técnicas de restauração ecológica — como enriquecimento com sementes e mudas, condução da regeneração natural das florestas e muvuca (plantio de diversas sementes) — com sistemas agroflorestais formados por espécies de alto valor de mercado. Um exemplo é o cacau, uma espécie nativa da Amazônia, associado a outros cultivos, como milho, mandioca, açaí e andiroba, contribuindo não apenas para a renda, mas também para a segurança alimentar da família.

Mas, seja qual para o modelo de produção ou seu grau de vulnerabilidade, o processo de adaptação dos sistemas produtivos deve sempre buscar considerar pelo menos quatro pontos: a prevenção da degradação ambiental, a segurança alimentar, o suprimento de água e a redução da pobreza. Quando o mau manejo se encontra com as mudanças climáticas, os processos de degradação ambiental tendem a se acentuar.

Processos erosivos, de salinização e perda de nutrientes, por exemplo, já são realidade em algumas áreas do Brasil e podem se acentuar com os eventos extremos. O aumento de incêndios em áreas naturais e a invasão de espécies que não são nativas também podem causar degradação das áreas naturais, principalmente no cenário de intensificação de secas e práticas incorretas de manejo com o fogo.

Assim, nossos desafios daqui para a frente estarão fortemente associados a garantir o acesso a assistência técnica e tecnologias sociais, como as ações coletivas para a recuperação de nascentes e infraestrutura para a redução do escoamento superficial da água e da erosão do solo, contribuindo para reduzir a vulnerabilidade ambiental das populações.

O pleno acesso a uma assistência técnica qualificada, por exemplo, vai permitir a redução da degradação ambiental ao fomentar práticas mais sustentáveis, menor dependência de insumos e a possibilidade de aumentar o valor agregado da produção, além de permitir melhores planos de investimentos e negócios associativos com foco nas tecnologias sociais.

O que está claro é que o fortalecimento das ações ambientais, por meio da recuperação de áreas, garante uma paisagem mais resiliente, e gestão socialmente justa e ambientalmente sustentável dos recursos hídricos, em um ciclo virtuoso de conservação da natureza e dos seus benefícios ecológicas tão importantes também para o agronegócio.

Há uma urgência de ação, e grande parte desses desafios precisam ser resolvidos até 2030. Para isso precisamos nos engajar em implementar soluções que unam o melhor conhecimento cientifico à sabedoria tradicional, sempre que possível. É necessário que governos, empresas, povos indígenas, produtores rurais, organizações da sociedade civil trabalhem juntos para fortalecer modelos mais sustentáveis de produção, impulsionar a restauração de áreas degradadas e estimular a inovação em finanças sustentáveis, governança e políticas públicas para a conservação.

Fontes: TNC, Revista Galileu.

Foto: Daniel Beltra/Greenpeace.