A Câmara dos Deputados aprovou nesta ultima quarta-feira (09/02/2022) o Projeto de Lei (PL) 6299/02, que flexibiliza o controle e a aprovação de agrotóxicos no Brasil e concentra as decisões junto ao Ministério da Agricultura. Atualmente, é necessário o aval de diferentes órgãos para que um novo produto seja aprovado, entre eles a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde.
O projeto ganhou um apelido: “Pacote do Veneno”. Isso porque, ao aumentar os poderes do Ministério da Agricultura e reduzir os da Saúde e Meio Ambiente, pesquisadores e ambientalistas preveem que fatores econômicos irão pesar mais que os de saúde pública e ambientais na decisão de quais agrotóxicos serão liberados no Brasil. O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, o Incra, manifestou-se contrário ao projeto, apontando riscos à saúde da população.
Antes da votação houve diversas manifestações de ativistas ambientais nas ruas de São Paulo e Brasília contra o projeto de lei 6.922 de 2002, com cartazes com frases “Eles querem mais venenos na sua comida” e chamando os defensores do PL de “Bancada do Câncer”
A tentativa de mudar a lei já foi alvo de críticas de diferentes entidades ao longo da tramitação do chamado “PL do Veneno”, que foi apresentado em 2002. Nesta quarta, a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, resumiu a crítica atual ao PL:
“‘A Câmara dos Deputados está votando a Lei do Veneno em esquema de tratoraço. A título de suposta modernização, vão tirar poder do Ibama e da Anvisa e concentrar as decisões no Ministério da Agricultura. A título de modernização, sumiram com a vedação ao registro de produtos que causam câncer, constante na legislação atual. Falam em análise de risco nos processos administrativos como se fosse uma novidade e, em razão dela, geram retrocessos. A saúde dos brasileiros e o meio ambiente sofrerão as consequências dessa decisão irresponsável”, disse Suely.
Entre outros pontos, o projeto de lei quer mudar o nome dos agrotóxicos para “defensivos agrícolas” e “produtos fitossanitários”. Vai liberar licenças temporárias, e também prevê que a análise dos produtos proíba apenas as substâncias que apresentem “risco inaceitável”. Mas existem riscos aceitáveis quando se fala em saúde pública e proteção ao meio ambiente?
Tentaram dourar a pílula venenosa, edulcoraram os herbicidas, os fungicidas e os inseticidas, mas se esqueceram que o sufixo cida ou cídio vem do Latim caedere, que quer dizer “matar, imolar, derrubar”.
A Câmara dos Deputados conspira contra o povo ao aprovar a disseminação desenfreada de venenos na agricultura, mesmo tendo um órgão de respeito em pesquisas agropecuárias, como a Embrapa. Mas esta não é ouvida, sequer consultada. As idiossincrasias são germinadas a partir de interesses escatológicos de maus empresários rurais. Os bons existem, mas ainda são esquecidos pelos criadores de projetos de lei carimbados.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Fiocruz), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entre outras entidades, divulgaram duras críticas à proposta. A eles se unem entidades ligadas ao meio ambiente, como o Observatório do Clima e o Greenpeace.
Nesta quarta, depois da aprovação da urgência, Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil disse que a tentativa de aprovação mostra quais são as prioridades do governo e da bancada ruralista.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira e Agroecologia apresentaram um dossiê científico contra o projeto. O material teve apoio da Fiocruz.
“Contra o Pacote do Veneno, se colocam instituições de pesquisa, sociedades científicas, órgãos técnicos das áreas de saúde e ambiente, e a sociedade civil organizada, incluindo a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos que recolheu mais de 1.700.000 assinaturas.
O debate alcançou a esfera da Organização das Nações Unidas (ONU), que enviou nota alertando para os perigos da proposta”, informou a Abrasco no dossiê.
No documento a Abrasco cita uma lista de entidades que divulgaram notas técnicas contra o PL. Foram citadas: Instituto Nacional de Câncer (Inca), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Defensoria Pública Geral da União, Conselho Nacional de Saúde (CNS), entre outros.
“Os danos são imprevisíveis, para quem mora próximo das lavouras, ou de indústrias fabricantes e para quem trabalha nesses locais. A sociedade em geral ingere agrotóxicos através da água e dos alimentos.
Desde 2019, o governo atual liberou cerca de 1.500 novos agrotóxicos, o que representa 40% de todo o registro da história do país. Naquele ano, foram vendidas no Brasil 620 mil toneladas de agrotóxicos, segundo boletim do Ibama. Desse total, 38,3% são ‘‘altamente’’ ou ‘‘muito perigosos’’, e 59,3%, ‘‘perigosos’’. O restante, 2,4%, ‘‘pouco perigosos’’.
Glifosato, o agrotóxico mais utilizado no país, por exemplo, foi associado à morte de 503 crianças por ano no Brasil, segundo estudo realizado pela Universidade Princeton, Fundação Getúlio Vargas e Insper. Segundo o estudo, o uso do glifosato na cultura da soja corresponde a uma alta de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem água de regiões sojicultoras.
O Brasil é o terceiro país que mais usa agrotóxicos em números absolutos, depois de China e EUA, segundo dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura.
Segundo um porta-voz dos ativistas responsáveis pela intervenção, que preferiu não se identificar, é preocupante ainda a situação dos agricultores, que têm contato maior com as substâncias durante o trabalho.
É um retrocesso. No mundo, os países mais avançados nessa discussão vem colocando poder no Ministério da Saúde, é assim na Europa, por exemplo. Afinal, por mais que você queira produzir, não adianta ter produção com uma população doente ou com danos sérios ao meio ambiente.
É uma perda inclusive do ponto de vista econômico, que [os defensores do PL] não estão vendo. Registrar um produto que se sabe ser venenoso, que pode gerar danos anos depois, é um risco. Ainda mais para um país que está entre um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. O ideal é que se trabalhe com tecnologias que não comportem esse perigo.
Aprovar novos produtos que oferecem riscos à saúde envolve custos como programas de monitoramento, ações fiscais, que oneram o Estado. Vamos colher os frutos dessas escolhas no futuro. A gente sabe quanto custa um câncer para o indivíduo, e quanto custa para o Estado brasileiro, um tratamento que leva anos e muitas vezes se encerra com os óbitos. O mundo está caminhando para um lado, o Brasil está caminhando para o outro diametralmente oposto.
Fontes: Galileu, G1, Oeco, Poder 360, Brasil de Fato.