As mudanças climáticas estão se tornando um fator crítico na propagação da dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Temperaturas mais altas e períodos chuvosos mais frequentes favorecem o aumento de casos da doença e outras arboviroses entre a população, como Zika e Chikungunya.
Nos últimos anos, coincidindo com a intensificação do aquecimento global, a ocorrência da doença aumentou em seis regiões, tornando-se endêmica em 130 países. Desde 2021, o número de casos dobrou a cada ano, com mais de 13 milhões de casos da doença e 10 mil mortes em 2024.
O Brasil, que representa a maioria dos casos na América Latina, registrou, ao longo de todo o ano de 2024, um total de 6.484.890 casos prováveis de dengue e 5.972 mortes provocadas pela doença, segundo dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde.
Durante um painel sobre o tema no evento Forecasting Healthy Futures Global Summit, na terça-feira, no Rio de Janeiro, especialistas discutiram como o aquecimento global está ampliando o alcance geográfico da dengue, tornando regiões antes imunes vulneráveis à doença, e quais desafios e oportunidades isso traz.
André Siqueira, médico infectologista e Diretor do Programa Global de Dengue da DNDi, destacou que a dengue é “uma das principais doenças a se agravar como consequência da mudança climática” observando que o sul do Brasil, que não apresentava transmissão de dengue até quatro anos atrás, agora enfrenta um aumento significativo de casos.
“Em lugares onde os sistemas de saúde não estão preparados para a emergência de casos, as consequências dessas infecções podem ser devastadoras”. Além disso, a falta de tratamentos eficazes e a dependência de medidas tradicionais de controle vetorial, como sprays e larvicidas, limitam as opções disponíveis para os profissionais de saúde.
Oportunidades e avanços tecnológicos
Apesar dos desafios, o painel também trouxe mensagens de esperança. O infectologista moçambicano José Moreira, diretor de desenvolvimento clínico do Instituto Butantan, destacou que em 2023, o Brasil se tornou o primeiro país a integrar a vacina Qdenga, desenvolvida pela farmacêutica Takeda, em seu sistema de saúde público.
Para 2025, o Ministério da Saúde adquiriu 9,5 milhões de doses da vacina contra a dengue. E ressaltou ainda que uma nova vacina está sendo desenvolvida localmente, a Butantan-DV. “Essa inovação é um passo significativo na luta contra a dengue, e importante para transformar o Brasil em um país sustentável e independente” em termos de produção de vacinas.
Vitor Pimental, gerente setorial do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), falou sobre o papel do Brasil e do sul global na luta contra a dengue e outras doenças, além da importância de uma abordagem integrada e de investimentos em saúde pública.
“O Sul Global tem uma voz realmente forte. Ele pode se posicionar como ator chave para mitigar o efeito das mudanças climáticas, especialmente na interconexão do clima e saúde”, disse, sublinhando que “a mudança climática não é somente uma questão ambiental, mas uma questão de saúde”. Ele destacou a importância de garantir os fundos necessários e os compromissos globais para apoiar a produção local de vacinas e antivírus, afirmando que “o Brasil será um dos primeiros países a ser capaz de “suprir a vacina contra Chikungunya e Dengue ao mesmo tempo”.
Diversificação de soluções
Gabriel Sylvestre Ribeiro, gerente de implementação na Wolbito do Brasil S.A., falou sobre a implementação de mosquitos geneticamente modificados como uma solução viável para reduzir a transmissão da dengue. O método Wolbachia – que consiste na introdução no mosquito de uma bactéria que impede o desenvolvimento dos vírus da dengue, Zika e chikungunya, ajudando a reduzir essas doenças – já é usado em 11 cidades do Brasil e deve ser expandido para mais 40 cidades em 2025.
Niterói (RJ) foi a primeira a cobrir 100% do território com um método de controle, resultando em redução nos casos de doenças. Em 2021, com 75% do território coberto, houve uma redução de 69,4% nos casos de dengue, 56,3% nos casos de chikungunya e 37% nos casos de Zika.
Sylvestre destacou a importância da comunicação com a comunidade: “Nós passamos 3 ou 4 meses antes de lançarmos os mosquitos, só indo para as comunidades e falando sobre tudo, doenças, dengue, Wolbachia […] As comunidades normalmente ficam orgulhosas de participar desses projetos”, ressaltando que o engajamento comunitário é essencial para o sucesso das iniciativas.
“Uma das belezas do Wolbachia é que é seguro para os insetos, seguro para as pessoas, mas também seguro para o ambiente”, disse.
Natalia Ferreira, diretora executiva da Oxitec no Brasil, empresa que desenvolve soluções biológicas para controle de pragas, destacou que a multinacional está expandindo sua fábrica em Campinas, onde produz o “Aedes do Bem”, que usa mosquitos Aedes aegypti machos para controlar a população de mosquitos fêmeas da mesma espécie, para também produzir Wolbachia.
“Nosso produto será baseado em ovos, permitindo uma logística mais eficiente e estável, diferente dos mosquitos adultos que você não pode transportar por longas distâncias”. Segundo Natalia, o sistema de inovação de saúde é robusto globalmente, e se receber os investimentos necessários, “ele vai responder com as soluções”.
A conferência Forecasting Healthy Futures Global Summit busca angariar propostas dos participantes que possam influenciar diretamente a agenda de negociações da COP30, a reunião de clima da ONU que acontece em novembro em Belém, no Pará. É realizada pelo Forecasting Healthy Futures (FHF), coalisão global criado pela Malaria No More e financiado pela Reaching the Last Mile, com o objetivo de impulsionar inovações e investimentos em estratégias e tecnologias para proteger a saúde das pessoas frente aos impactos das mudanças climáticas.
Fonte: Um Só Planeta.
Imagem: @ UNICEF/BRZ/João Laet.
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