As repercussões das enchentes no Rio Grande do Sul, que cerca de duas semanas deixam mais de 150 mortos e 500 mil pessoas desabrigadas, revelam uma angústia coletiva sobre o futuro que ganhou nome oficial e recebe um olhar cada vez mais atento no meio científico: ecoansiedade ou ansiedade climática.
O que é a eco-ansiedade. Causas
A eco-ansiedade é um conceito novo, mas está intimamente ligado a outro, a solastalgia, que a própria revista Lancet incluiu em 2015 como um termo relacionado ao impacto das mudanças climáticas no bem-estar humano. A solastalgia não é considerada uma doença, foi criada pelo filósofo australiano Glenn Albrecht e define um conjunto de distúrbios psicológicos que ocorrem em uma população nativa após mudanças destrutivas em seu território, sejam decorrentes das atividades humanas ou do clima.
Por enquanto, a eco-ansiedade não é considerada uma doença, no entanto, devido à grande preocupação decorrente da emergência climática que estamos vivendo, pode ocasionar transtornos psicológicos. A American Psychology Association (APA) descreve a eco-ansiedade como “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”. Por isso, a APA considera que a interiorização dos grandes problemas ambientais que afetam nosso planeta pode ter sequelas psicológicas, mais ou menos graves, em algumas pessoas.
O termo foi apresentado em 2017 pela Associação Americana de Psicologia, quando o descreveu como um “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas”. Em 2021, entrou para o prestigioso dicionário de Oxford – dois anos depois que a instituição elegeu “emergência climática” como a palavra do de 2019.
No Brasil, “ecoansiedade” também ganhou status formal ao ser incorporada como uma nova palavra pela Academia Brasileira de Letras (ABL), que a define como um “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.
Em poucas linhas, o receio constante de que os efeitos nocivos de atividades humanas ao planeta não tenham mais volta, explica o coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Christian Kristensen. Para o psicólogo, a maior frequência de eventos como as enchentes são um dos fatores que têm aumentado o interesse pelo tema.
— Não é uma patologia, mas um fenômeno que tem a ver com essas emoções desconfortáveis, como angústia, tristeza, impotência e até raiva em relação às mudanças climáticas. O interesse pelo tema cresce não só por causa do maior conhecimento sobre os impactos ambientais, mas pelos eventos que vemos na mídia, as vivências pessoais. Então, no cenário em que temos cada vez mais fenômenos extremos acontecendo, isso tende a aparecer com mais frequência — diz.
Mas, quais são esses grandes problemas ambientais associados às mudanças climáticas? Estamos falando da proliferação de fenômenos meteorológicos extremos (ondas de calor e incêndios, ciclones e tufões, terremotos e maremotos, etc.), do aumento da poluição e seu impacto na saúde, da acumulação de lixo nos oceanos, da perda de biodiversidade, do estresse hídrico e da escassez de água, da exploração excessiva dos recursos, do desmatamento e da subida do nível do mar, entre outros fatores.
— Enquanto fator de estresse ambiental, as alterações climáticas têm o diferencial de serem uma ameaça real em curso e em desenvolvimento. Não há um perfil específico entre os que são afetados por ela, porém é mais comum entre aqueles que se preocupam com as questões ambientais e que são mais suscetíveis a casos de depressão e ansiedade. E aquelas afetadas diretamente por desastres climáticos, que podem vivenciar medos, traumas, depressão e ansiedade em níveis muito mais intensos — afirma.
A conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP – RS) Luciana Fossi aponta que a tragédia atual no Sul, por exemplo, está trazendo consequências a curto, médio e longo prazo entre os que tiveram a vida diretamente afetada pelas inundações.
— Qualquer previsão de chuva ou alerta da Defesa Civil vai gerar uma ansiedade muito maior na população a partir de agora. As consequências reais das questões climáticas estão sendo sentidas. Agora precisamos pensar em políticas públicas que possam mitigar os efeitos emocionais deste evento para as pessoas — defende.
Embora não haja dados sobre a quantidade de pessoas que sofre dessa nova doença, os especialistas afirmam que à medida que os problemas relacionados ao clima cresçam, o número de pessoas que tenham eco-ansiedade também aumentará. De fato, um dos relatórios pioneiros sobre o impacto psicológico das mudanças climáticas, o Mental health and our changing climate: impacts, implications and guidance, APA (2017), já alertava que a preocupação das pessoas estava aumentando.
Como a eco-ansiedade afeta as pessoas
A eco-ansiedade não afeta da mesma forma todas as pessoas. Na verdade, costuma afetar sobretudo aqueles com mais consciência ecológica. Dentre os sintomas podemos citar os seguintes: quadros leves de ansiedade, estresse, distúrbios do sono, nervosismo, etc. Nos casos mais graves, a eco-ansiedade pode provocar uma sensação de asfixia ou inclusive depressão. Nesse último grupo é bastante comum que as pessoas expressem um forte sentimento de culpa pela situação do planeta, que pode se agravar, no caso de ter filhos, ao pensar no futuro deles.
Para 75% dos jovens, o futuro é ‘assustador’
No Brasil, especialistas explicam que ainda há pouco trabalho acadêmico sobre ecoansiedade, mas em outros países o assunto já ocupa um lugar de maior destaque na comunidade científica. Um dos maiores estudos conduzidos até agora foi feito por pesquisadores da Universidade de Bath, na Inglaterra, que entrevistou 10 mil jovens de 16 a 25 anos em 10 países, incluindo o Brasil.
Os resultados, publicados na revista científica The Lancet Planetary Health, revelaram que 59% dos jovens relatam estar muito ou extremamente preocupados com as mudanças climáticas (67% entre os brasileiros), e 45% a ponto de essas questões afetarem negativamente as suas rotinas (proporção de 50% no Brasil).
Além disso, 40% disseram hesitar em ter filhos devido às alterações do clima, e 75% concordaram que “o futuro é assustador”. Para 65%, os governos falham em implementar medidas para impedir o problema, o que mostra um “quadro terrível de ansiedade climática generalizada em nossas crianças e jovens”, destacou a autora do trabalho, Caroline Hickman, da Universidade de Bath e da Aliança de Psicologia Climática, quando ele foi publicado.
Já em relação a como lidar com a ansiedade climática de um modo geral, estudos apontam que o engajamento em ações que contribuam para mitigar as mudanças climáticas, por exemplo, são uma atitude que reduz o estresse e favorece o bem-estar, explica a psicóloga da UnB.
Kristensen, da PUC-RS, esclarece quando essa preocupação passa a acender um alerta: — Quando deixa de ser apenas algo ocasional e passa a ser intenso e recorrente, prejudicando o funcionamento do indivíduo. Não traz apenas sofrimento, mas interfere no seu trabalho, nos seus estudos, na sua vida social ou gera até mesmo sintomas físicos, como tensão muscular, prejuízos no sono, eventualmente um quadro de ataque de pânico.
Uma notícia positiva sobre o combate à eco-ansiedade é que os problemas climáticos estão mudando a consciência de grande parte da população acerca da necessidade de cuidar do planeta. Um estudo realizado pela empresa de tendências globais WGSN, revela que 90% dos entrevistados em âmbito mundial afirmam que pensar na crise climática lhes provoca incomodidade em relação ao seu futuro, um incômodo que, especialmente nos mais jovens, se transforma em um ativismo ecológico como o representado pela icônica Greta Thunberg e que faz pensar em um futuro mais próspero para o planeta.
Fontes: BBC News, O Globo, Iberdrola, eCycle.
Imagem: Getty Images.