O forte calor não foi empecilho para que as bandeiras de lutas socioambientais de povos do Brasil e do mundo se juntassem neste sábado (15), na Marcha Global pelo Clima, realizada na capital paraense. Como expressão de ampla diversidade cultural e fortalecimento democrático, essa mobilização, organizada pela Cúpula dos Povos e COP das Baixadas, como parte da programação da sociedade civil na COP 30, reuniu cerca de 70 mil pessoas.
A concentração dos movimentos sociais se iniciou por volta das 6h da manhã, no Mercado de São Brás, onde grande quantidade de ônibus, carros e táxis se aglomeravam para deixar os participantes da caminhada. O trajeto total foi de cerca de 4,5 km e a temperatura chegava aos 35º, entretanto, isto não impediu a passagem de diversas formas de expressão de reivindicação dos movimentos.
O recado das ruas é de que não há mais tempo para inação ou lentidão nas respostas para o enfrentamento da crise climática. Nesse contexto de tantas bandeiras, se tornaram mais próximas as causas de proteção dos povos, sejam eles palestinos, amazônidas ou de qualquer origem nesse mundo em crise. De forma geral, a sinergia entre os manifestantes sinalizou para a defesa de territórios de povos tradicionais e comunidades locais, assim como para a necessidade de proteção das bases da vida, estejam elas nos rios, nos mares, nos mangues, nas florestas, entre outros ecossistemas.
Quem olhava de longe, via um tapete de gente em forma de manifestação, com elementos gigantes, como globo terrestre, cartazes, cobras e cabeças gigantes de grandes símbolos ambientalistas, como Chico Mendes e o Cacique Raoni. Para muitos, o momento foi visto como uma forma democrática pacífica e simbólica de reivindicação e compromisso com a atuação das mudanças climáticas.
Foram inúmeras as críticas ao sistema capitalista, que na sua ânsia por lucro ameaça a natureza e as culturas ao redor do mundo. Na Amazônia, as denúncias envolvem os riscos associados aos grandes projetos de infraestrutura, à exploração de petróleo e à usurpação de territórios que, depois de desmatados, são usados para a expansão de projetos agropecuários.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enalteceu o ambiente democrático visível nas ruas de Belém, nesta programação da sociedade civil que tem muito a dizer aos tomadores de decisão, seja na COP 30 ou fora dessa Conferência do Clima. “É muito bonito ver a democracia se expressando nas ruas, em um país que a duras penas conquistou e mantém a sua democracia para que a gente possa fazer o que está sendo feito aqui”, observa.
A ministra também opinou sobre o que sinaliza ser uma demanda reprimida da sociedade global em relação às manifestações nas Conferências do Clima. “Depois de alguns períodos com a realização das COPs em outras realidades políticas do mundo, onde as manifestações eram feitas apenas dentro do espaço da ONU, agora no Brasil, um país do Sul Global, de uma democracia conquistada e consolidada, a COP 30 faz um encontro das águas daqueles que nos territórios, nas periferias, nos centros urbanos, no campo, em todos os lugares enfrentam o problema da mudança do clima”, analisa.
Marina Silva destacou, ainda, que as populações mais vulneráveis sabem o que representam os efeitos das mudanças climáticas “quando os rios secam e quando o fogo toma conta da planície mais úmida do planeta, que é o Pantanal”.
“Aqui é o lugar para a gente marcar para desenhar o mapa do caminho que precisa sair dessa COP rumo à transição do fim do desmatamento e do uso dos combustíveis fósseis”, enfatiza Marina Silva. “O Brasil é o único país do mundo que já tem o mapa do caminho para o fim do desmatamento, já reduzido na Amazônia em 50 por cento. Mas ainda não é suficiente. O nosso compromisso é o desmatamento zero”, acrescenta a ministra, que também saudou os povos indígenas, quilombolas, extrativistas e outros povos tradicionais que defendem a natureza e o clima nos seus territórios.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, ao lado de Marina Silva, também enfatizou a importância da festa democrática representada pela marcha. “Estamos aqui nesse lindo encontro com todos os movimentos e com todas as pessoas que cuidam dessa Amazônia e de todos os biomas, que somos nós, os povos e movimentos que chegamos em Belém para dizer que basta de vivermos nessa emergência climática”, opina.
Para a ministra, “a ONU precisa escutar e compreender essas vozes que aqui chegaram”. “Chegou a vez de aqui encontrarmos o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pampa, o Pantanal e a Caatinga, que estão sendo igualmente destruídos”, acrescenta. Ela também enfatizou: “É por isso que aqui se torna, nesse momento, a Zona Azul da COP 30, onde se encontram os guardiões e as guardiãs da vida”.
Sônia Guajajara ainda defendeu o Mapa do Caminho rumo à transição do uso de combustíveis fósseis, uma das grandes expectativas da COP30. Segundo a ministra, “nós estamos aqui para reafirmar esse nosso compromisso de juntas, no conjunto do governo federal, defendermos esse mapa do caminho”, afirmou, segurando as mãos de Marina Silva, acrescentando que, para além da transição energética, é preciso combater o racismo ambiental e proteger os povos tradicionais e populações locais.
Por muitos que acompanhavam, a marcha significava mais do que um chamado para as denúncias, mas uma oportunidade de expôr um momento cultural, seja em performance em pernas de pau, bois de pano, carros de som ou caracterizados em fantasias de sátira a alguns assuntos, como a liberação da foz do rio amazonas.
Livros de autores nomeados também foram homenageados durante a passeata, como ‘Futuro Ancestral’, do líder indígena, ambientalista e filósofo, Ailton Krenak; ‘Revolução das Plantas’, do botânico italiano Stefano Mancuso e ‘O Pacto da Branquitude’, de Cida Bento, reconhecida como referência máxima na área de diversidade e equidade racial.
A manifestação ocorreu de forma pacífica durante todo o caminho, que durou cerca de 3h e meia e se encerrou na Aldeia Cabana, espaço simbólico que representa a luta e resistência na região amazônica, em homenagem à Revolta da Cabanagem e no dia que marca também a Proclamação da República. O forte policiamento com batedores, carros blindados e helicópteros circulando o movimento, próximo aos hangares na Avenida Duque de Caxias, expressava a princípio, preocupação a quem estava a caminho da marcha, entretanto, o uso de paraça não foi necessário e nenhum confronto foi visto.
Segundo a organização, o objetivo foi “reafirmar o papel fundamental dos territórios na formulação e na implementação de políticas de enfrentamento à crise climática”.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, (COIAB), esteve presente em uma delegação, com a campanha ‘A resposta somos nós’, e reuniu lideranças e delegações de diversas organizações indígenas da Amazônia brasileira espalhadas pela marcha, inclusive a campanha ‘Lula, demarca Kaxuyana Tunayana’, apresentada pelo povo Kaxuyana Tunayana durante a abertura da Aldeia Cop. O movimento seguiu a marcha dizendo “Não à mineração” e “demarcação já”.
Ao chegar ao ponto final, a marcha consolidou um recado direto aos governos e negociadores da COP30: soluções climáticas precisam sair do papel e reconhecer o protagonismo de quem historicamente preserva a Amazônia. Entre cantos, faixas e denúncias, o ato deste sábado reforçou que não haverá justiça climática enquanto persistirem a violência nos territórios, a demora na demarcação de terras indígenas e a ausência de apoio às comunidades tradicionais. A expectativa dos manifestantes é de que as vozes das ruas e as suas reivindicações gerem ressonância nas negociações que se desdobram até a próxima semana, trazendo algum tipo de resultado prático dessa mobilização.
Fonte: ((O))eco.
Foto: Aline Massuca/COP30.


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