Entenda os impactos da energia eólica no Semiárido Potiguar

“As casas agora estão todas rachadas, as pessoas estão ficando doentes e a gente fica muito triste”, diz Dona Terezinha sobre a vida na comunidade Sítio de Dentro, em Lagoa Nova, após os parques de energia eólica chegarem em sua região. A realidade dela é uma entre as várias famílias que estão tendo problemas de saúde e as suas casas danificadas pelo avanço dos parques eólicos no Rio Grande do Norte.

O método de conversão de vento em eletricidade é relativamente inédito no Brasil, que começou a apostar nas turbinas após a crise energética de 2001. Hoje, 23 anos depois, o país passa por um processo ativo de transição de matriz energética, trabalhando ativamente para substituir as hidrelétricas e a queima de combustíveis fósseis pela “energia limpa” das eólicas. Desde o começo desse processo, o Rio Grande do Norte se destacou como o lugar geograficamente ideal para a instalação dos parques e, graças a esse fator, sempre foi o estado brasileiro com maior concentração de parques eólicos.

De acordo com o último censo Banco de Dados de Empreendimentos Outorgados – SIGA, ANEEL, o Rio Grande do Norte conta com 2.325 aerogeradores em operação, localizados em 269 parques eólicos já prontos, e mais 116 ainda em construção. Esses, estão distribuídos em 41 municípios, a maioria localizados no interior do estado.

Nesse processo intenso de instalação de novos postes, diversos problemas sociais e estruturais começaram a aparecer no estado. O primeiro deles começa antes mesmo das turbinas serem erguidas, mas no processo de transporte delas.

“Rachou das paredes até o piso da área da minha casa. Essas rachaduras não existiam antes, daqui a pouco a casa pode até cair por cima de mim”, diz Josefa Maria analisando os estragos na estrutura de sua casa no Sítio Buraco de Lagoa após a chegada das eólicas na região.

Isso acontece porque, ao transportarem peças grandes e volumosas por estradas que não foram preparadas para suportar tanto peso, os caminhões de transporte passaram causando verdadeiros tremores de terra e deixando pelo caminho buracos, rachaduras e muita poeira. Após o impacto inicial, as construções nos arredores ainda precisam resistir às explosões feitas para preparar o solo e erguer as torres. Esses processos violentos acabam danificando casas como a de Josefa, que não foram construídas para suportarem esse nível de impacto.

Outra estrutura que também não estava pronta para sobreviver à implementação das torres de energia eólica é a das cisternas, que são essenciais principalmente no contexto do Semiárido potiguar. Josefa também teve sua cisterna danificada. “Era essa água que a gente usava para cozinhar e também filtrava para beber. A gente foi vendo que ela não estava mais sustentando água e chegamos até a fazer um reparo, mas não adiantou. Depois a gente foi ver e ela tinha quebrado por dentro”, explica Josefa.

Quando questionada sobre se as empresas de energia assumiram os gastos dos reparos, Josefa revelou que já tentou contato, mas nada foi feito.

“Eles não procuram saber de nada, a gente entrou em contato, mas eles vem, avaliam e no fim falam que não podem fazer nada por não ser só uma empresa que transita aqui, então não tem como saber o responsável”, conta.

O impacto ambiental e a mobilização popular contra as eólicas

Damião Santos, educador social do Seapac – responsável por implementar a cisterna de dona Josefa – e mais 18.000 outras cisternas de primeiro uso no Semiárido potiguar, explica que as energias eólicas podem ser limpas, mas de forma nenhuma são sustentáveis, sobretudo em um contexto de Semiárido.

“Da forma que eles estão sendo instalados, esses parques eólicos não trazem nada de bom para as comunidades do entorno, monopolizando as terras, agredindo uma região que já é frágil do ponto de vista ambiental e danificando tudo ao redor. Por isso, algumas comunidades já estão se unindo para lutar por uma energia limpa que não traga transtornos e dificuldades para a vida do povo”.

Uma dessas mobilizações citadas por Damião é o Movimento Seridó Vivo, coletivo criado em 2021 por pesquisadores de diversas áreas em parceria com moradores do Seridó Potiguar que veem a necessidade de pensar na crise climática e social existente nessa região.

De acordo com o historiador e arqueólogo Joadson Silva, que faz parte do Movimento e acompanha de perto os impactos da chegada das energias eólicas no Seridó, não há como dimensionar os danos sociais e ambientais das eólicas, que já começam a prejudicar a região em que chegam desde o primeiro contato.

“Eles chegam com contratos abusivos, valores de arrendamentos baixos e restrição ao uso da terra”, conta Joadson.

Outro ponto que Joadson estuda no Seridó Vivo é o do impacto climático. Hoje, o Rio Grande do Norte é um dos estados brasileiros que está passando ativamente pelo processo de desertificação, o que só se intensifica diante do desmatamento de regiões da Caatinga para a instalação dos parques eólicos. Segundo dados da Mapbiomas, apenas em 2022, foram desmatados aproximadamente 4 mil hectares de terra para a implementação da energia.

Além dessa falsa promessa de sustentabilidade, outra promessa comum feita para os moradores das regiões que recebem as eólicas é a da criação de empregos, porém, não é citado que as vagas são temporárias, e o serviço para a comunidade é basicamente braçal, com muito trabalho físico, baixa remuneração e sem a possibilidade de construir uma carreira dentro da empresa.

Por esses e outros motivos, um esforço tem sido feito para que exista um reconhecimento da insustentabilidade dessa forma de energia, que pode ser renovável e limpa, mas também gera impactos socioeconômicos e ambientais negativos. Em uma carta da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) para o presidente Lula, a organização listou todos os malefícios que chegam ao semiárido junto com as turbinas.

“As terras onde as turbinas estão instaladas tornam-se improdutivas; a saúde das famílias que vivem nas proximidades se deteriora física e mentalmente; as mulheres são expostas a todo tipo de violência física e sexual. Isso sem contar a quantidade de cisternas abandonadas, seja porque as famílias não conseguem permanecer em suas casas, devido ao barulho contínuo, ou pelo pó gerado pelas turbinas que contaminam a água, seja porque as cisternas acabam danificadas no processo de geração da energia”, aponta a entidade.

Violação dos Direitos Humanos em troca de energia “limpa”

Durante os últimos dois anos houve um aumento significativo na liberação das autorizações de construção e funcionamento dos parques e das torres das empresas de energia renováveis. O Seapac vem acompanhado de perto o relato das denúncias de violação de direitos socioambientais vivenciado pelas comunidades campesinas em todo o Rio Grande do Norte.

A região do Trairi e Seridó potiguar vêm sofrendo constantes ameaças desses empreendimentos, e as famílias se sentem desamparadas pelos órgãos públicos.  Em frequente relato durante os encontros e as reuniões comunitárias, tanto as pessoas da zona rural como da área urbana relatam sobre a violência vivenciada no dia a dia, seja pela falta de informações que não chega às famílias na hora de assinar um contrato, ou pela pressão social vivenciada nas cidades.

As famílias relatam de modo geral que com a chegada das empresas de energia renováveis, aumentou o número da população local nas cidades e que isso ajudou a inflacionar o preço do aluguel, encarecendo também a cesta básica, além da questão da violência, em especial, contra as mulheres e os jovens. Hoje já existe uma superlotação nas escolas, creches e nos hospitais municipais no qual as empresas instalam suas unidades operacionais, com isso, encarecendo o modo de vida rural e urbano, além das violações de direitos socioambientais.

Fonte: Saiba Mais.

Foto: Caio Barbosa.