Os pedidos de licenciamento ambiental para exploração de energia eólica em alto-mar conflitam com poços de petróleo, cabos de internet, habitat de baleias e tubarões, rota de aves e abrigos de animais ameaçados.
As usinas offshores, como são chamadas no jargão técnico, lotearam a costa brasileira em uma batalha por espaço. Os empreendimentos também podem cercar portos ou descaracterizar a paisagem de praias turísticas.
A Folha cruzou o polígono dos quase cem requerimentos feitos ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) para exploração das eólicas com mapas de outros setores.
Ceará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul concentram a maior parte dos pedidos, que têm sobreposição entre si — mais de 20% das áreas são disputadas por mais de uma empresa.
No Chuí, extremo sul do país, o farol de Albardão marca a fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Lá, pelo menos desde 2008, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tenta criar uma área de preservação ambiental.
O solo marinho da região, rico em vida, é formado por corais rochosos; a praia abriga um concheiro único no país. O local serve de ponto de alimentação e reprodução de animais, reunindo 25 espécies ameaçadas, dentre golfinhos, raias, sapos e peixes.
Agora, uma série de empresas disputa com o ICMBio o uso do polígono de 20 km por 50 km do mar brasileiro. Os empreendimentos somariam cerca de 1.000 turbinas de geração de energia elétrica.
Em toda a costa brasileira, o cruzamento de dados feito pela Folha identificou mais de uma centena de locais cobiçados por usinas eólicas e sobrepostos a registros de tubarões e baleias ou de passagem de aves.
A área de três empreendimentos coincide com locais onde há poços de petróleo e outros 21 requerimentos de construção de usinas se sobrepõem a cabos de fibra ótica para transmissão de internet.
Se todos os pedidos em análise fossem aprovados pelo Ibama, uma série de praias turísticas passaria a ter, no seu horizonte marítimo, torres com hélices: Jericoacoara (CE), São Miguel do Gostoso (RN) ou Touros (RN), por exemplo.
O caso mais emblemático é o da praia do Cassino, no Rio Grande do Sul. Lá, um projeto quer instalar 77 torres a cerca de 1 km da areia.
Além da proximidade com a praia, que descaracterizaria o ponto turístico gaúcho, há outro problema. A usina criaria um funil no acesso a um complexo portuário importante, que compreende os portos de Rio Grande, Pelotas e da capital, Porto Alegre.
No Rio Grande do Norte, ao mesmo tempo, há locais de prática de kitesurf onde empresas querem construir usinas de energia.
A Empresa de Pesquisas Energéticas projeta que a costa brasileira pode gerar mais de 700 GW de energia com eólicas offshore. A Petrobras, por sua vez, prevê investir US$ 70 bilhões na tecnologia nos próximos anos.
A análise ambiental dos pedidos aguarda o projeto de lei sobre o tema no Congresso. O andamento travou após a Câmara dos Deputados encher a proposta de jabutis (como são chamadas as matérias estranhas em um texto legislativo). Agora no Senado, o relator do tema será Weverton (PDT-MA), escolha que gerou reclamações de Carlos Portinho (PL-RJ), antigo dono do posto.
Presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho cobra uma regulamentação clara, com exigência de estudos rígidos, para impedir o prosseguimento de negócios que causem riscos ambientais.
“O estudo de impacto ambiental serve para isso, nele são levantadas as ocorrências de todas as espécies da localização para, a partir daí, definir se é viável ou não a instalação do empreendimento”, afirma.
Segundo ele, devem ser levados em consideração a preservação de espécies, a existência de áreas de reprodução e o impacto da construção. “Nos casos mais graves, como de presença de animais ameaçados de extinção, o projeto pode ser inviabilizado”, diz.
Doutor em geografia focado nos impactos socioambientais de parques eólicos, Thomaz Xavier relata casos de comunidades de pescadores que perderam 75% de sua renda após a instalação de usinas eólicas.
“Quanto menor a distância, maior o potencial da usina de exercer influências negativas em aspectos econômicos, sociais e culturais. A literatura tem indicado uma distância média de 20 km da costa como adequada”, afirma.
Ele lista uma série de possíveis impactos à fauna e à flora dessas regiões: interferência nas rotas migratórias aéreas e aquáticas; colisões de aves com as hélices, sobretudo em época de alimentação ou reprodução; ruídos subaquáticos que podem inviabilizar a vida de baleias ou golfinhos; ou descaracterização do habitat marinho.
Já o campo eletromagnético criado pela geração e transmissão de energia, diz, pode impactar tubarões, espécie que utiliza sinais eletromagnéticos para se locomover e caçar.
“Inexiste um planejamento de curto, médio e longo prazos para o uso múltiplo do espaço marinho, que considere as cumulatividades frente à capacidade de suporte do ambiente marinho”, afirma.
“O Brasil ainda se encontra sem uma visão de futuro do mar brasileiro e, principalmente, uma visão voltada ao ordenamento dos interesses no espaço marinho.”
Fonte: Folha SP.
Foto: Fabian Bimmer/Reuters.