Ele foi um pioneiro. Filho do Iluminismo, acreditava no progresso por meio ciência. Viveu 36 anos na Europa, falava e escrevia em seis idiomas e lia em onze. Um erudito, ávido leitor de estudos das diferentes áreas do pensamento.
Foi membro das principais academias de Ciências do Planeta, mas acabou mais conhecido na história do Brasil como o “Patriarca da Independência”. Defendeu a reversão das terras não cultivadas à Coroa. Pediu reflorestamento obrigatório e preservação de um sexto das matas originais de toda propriedade.
Nasceu em 1763, em Santos, filho de família rica. Seu pai era importante funcionário da Coroa portuguesa. Estudou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Com 20 anos, foi cursar Direito, Filosofia, e Ciências Naturais na Universidade de Coimbra. Poucos anos depois, em 1789, entrou para a Academia de Ciências de Lisboa.
Um de seus professores em Portugal foi o italiano Domênico Vandelli, especialista em História Natural e Botânica, que exerceu forte influência sobre o estudante brasileiro, o qual se tornou pesquisador naturalista, mineralogista e professor em Portugal durante muitos anos, além de exercer cargos públicos no governo português. Entre eles, a direção dos bosques nacionais.
No ano seguinte, foi mandado para estudar na França e Alemanha, onde se dedicou à mineralogia e silvicultura. Foi o primeiro cientista brasileiro a fazer pós-graduação no exterior. Depois de 36 anos na Europa, voltou ao Brasil em 1819, aos 56 anos, pensando em se aposentar.
Na Alemanha, conheceu as melhores cabeças da época, como Humboldt, curiosamente também conhecido como o primeiro ambientalista, e teve aulas com ninguém menos que Kant. Visitou as minas da Boêmia e fez pesquisas na Dinamarca e Suécia.
Mas, no retorno, em vez do ócio abraçou a política. Foi Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros entre 1822 e 1823. Teve papel decisivo na Independência do Brasil. Acabou brigando com o Imperador, que o demitiu. Banido, exilou-se na França durante seis anos. E deu a volta por cima outra vez.
Voltou ao Brasil, reconciliou-se com o Imperador e acabou como tutor de seu filho, Pedro II, até 1833, quando foi novamente demitido, dessa vez pelo governo da Regência. Em 6 de abril de 1838, morreu em casa, na Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro.
“Ele explicava com detalhes sobre a importância de preservar os bosques do Reino. Isso não era nada comum nos tempos dele”, explica o historiador Jorge Caldeira, organizador da biografia José Bonifácio de Andrada e Silva, da Coleção Formadores do Brasil. “Era um ecologista prático, bastante apurado para os dias de hoje. Tanto é que seu primeiro trabalho científico foi em defesa da preservação das baleias”, completa Caldeira.
O texto citado por Caldeira foi publicado por José Bonifácio em 1790. Trata-se do Memória sobre a pesca da baleia e a extração do seu azeite, publicado pela Academia das Ciências de Lisboa. No texto, o político e estudioso alertava para o pouco retorno econômico da atividade de caça à baleia para extração do óleo, frente ao poder destrutivo do meio ambiente e a consequente redução do número de baleias na costa brasileira.
Um ano depois de voltar ao Brasil, em 1820, fez uma viagem com um de seus irmãos, Martim Francisco, pelo sertão paulista, local de origem da Mata Atlântica. O que era para ser uma viagem mineralógica deixou profunda impressão. Lamentou o “miserável estado em que se acham os rios Tietê e Tamanduateí, sem margens nem leitos fixos, sangrados em toda parte por sarjetas que formam lagos que inundam essa bela planície”. E, nos arredores de Itu, observa que “todas as antigas matas foram barbaramente destruídas com fogo e machado”.
“Apreciador das matas e madeiras brasileiras, alinhava-se com estudiosos que, desde a fundação dos primeiros jardins botânicos no século 18, valorizavam o plantio de espécies raras”, explica a historiadora Mary Del Priore, autora do livro As Vidas de José Bonifácio (Estação Brasil), que retrata a vida do Patriarca da Independência. “Ele era também favorável à inserção de índios e negros na sociedade depois de ‘civilizados'”, completa a historiadora.
“Destruir matas virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da Razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos?”
O texto, de 1821, um ano antes da Independência do Brasil, mostra que a preocupação com a destruição de florestas no território nacional é mais antiga do que o próprio Estado brasileiro.
O autor do alerta contra o desmatamento, redigido há quase 200 anos, não entraria, porém, para a História do nosso país como ecologista, mas sim como um dos fundadores do Estado Brasileiro. . Algumas passagens da vida de José Bonifácio são emblemáticas, e demonstram como era avançado para a época. Em 1821, quando o Brasil estava na condição de Reino Unido a Portugal, Bonifácio defendeu, em um artigo chamado Lembranças e Apontamentos do Governo Provisório para os Senhores Deputados da Província de São Paulo, a criação de uma “Direção Geral de Economia Política”, que seria responsável por obras públicas, minas, bosques, agricultura e fábricas.
Essa política integrada, desenhada por José Bonifácio para a administração do Brasil, na sua visão, seria responsável pela preservação das riquezas naturais brasileiras, em especial os rios, matas e densas florestas que, na opinião do político e naturalista, eram fundamentais para a saúde do território nacional. Seria um grande ministério reunindo as áreas de meio ambiente, infraestrutura e agricultura. A proposta, porém, nunca saiu do papel e o Brasil tornou-se independente de Portugal em 1822.
E quando se fala que foi “ecologista do Império”, queremos destacar seu conhecimento e preocupação com a natureza, muito mais do que o que representa o termo “ecologista” hoje. Naquela época, não passava pela cabeça das pessoas o esgotamento das riquezas naturais tal qual vemos hoje.
Segundo José Augusto Pádua, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor de Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (Zahar), “para Bonifácio, o desenvolvimento não poderia basear seu crescimento na destruição anticientífica das florestas, pois essas ações ameaçariam o futuro”.
Para ele, “José Bonifácio foi um pioneiro. Foi o primeiro político a integrar a ecologia em um projeto nacional, um ecologista muito à frente de seu tempo”.
O professor José Murilo de Carvalho, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, declarou: “Ele inovou ao passar do naturismo para o ecologismo, superando a admiração passiva da natureza para incorporá-la racionalmente a um projeto de nação.”
Segundo a historiadora Berenice Cavalcante, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e autora de José Bonifácio: razão e sensibilidade (FGV), “diante do que encontrou, lamentou o imenso potencial perdido pelo atraso e ‘desleixo’ dos brasileiros no cultivo da terra. Irritou-se com a destruição despropositada da natureza e previu que, após esgotarem os recursos, as populações migrariam constantemente, dificultando ainda mais a chegada da civilização.”
Miriam Dolhnikoff, da Universidade de São Paulo (USP) e autora da biografia José Bonifácio (Companhia das Letras), diz que “a sua defesa da abolição seguia o mesmo princípio. A escravidão criava uma elite ociosa e violenta e, logo, inculta, obstáculo para o desenvolvimento. Também era responsável pela destruição inútil das matas.” Segundo a autora, José Bonifácio “Bateu de frente com os grandes proprietários ao propor que as terras sem cultivo fossem confiscadas pelo governo e vendidas, destinando o dinheiro para os pobres, para que pudessem se incluir socialmente”.
Sobre o desmatamento e desertificação, problema tão atual, e ainda pouco compreendido por muitas autoridades nacionais, dizia o Patriarca: “Todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos da Economia geral da Natureza, sabem que os países, que perderam suas matas, estão quase de todo estéreis, e sem gente. Assim sucedeu à Síria, Fenícia, Palestina, Chipre, e outras terras, e vai acontecendo em Portugal.”
É o único brasileiro ligado à descoberta de um novo elemento químico, o lítio, e, em sua homenagem, a granada de ferro e cálcio foi batizada de andradita.
Fontes: Revista Pesquisa Fapesp, Mar Sem Fim, BBC, Superinteressante.