Mistério de buracos estranhos no fundo do mar é desvendado em novo estudo

Um novo estudo incluindo especialistas em geociência, biologia e oceanografia de institutos alemães investigou um dos mistérios do fundo do mar: os buracos que se formam no solo marinho de algumas localidades ao redor da Terra. As descobertas foram registradas no periódico Communications Earth & Environment em 19 de dezembro.

A pesquisa se concentrou nas pockmarks – como são chamadas as depressões marinhas circulares não muito profundas – do Mar do Norte, uma porção do oceano Atlântico que banha países como a Noruega, Dinamarca, Alemanha e França. Conforme o entendimento científico comum, essas pequenas crateras seriam formadas pela descarga e infiltração de fluidos, como o gás metano do efeito estufa ou mesmo águas subterrâneas.

Porém, essa explicação não responde a aparição da maioria dessas marcas, que são estimadas em milhões pelo planeta. Jens Schneider von Deimling, principal autor do estudo atual e geocientista da Universidade de Kiel, na Alemanha, nunca acreditou que fluidos estivessem por trás das pockmarks na baía alemã do Mar do Norte. “Tivemos que criar uma hipótese alternativa para essa formação”, ele diz em comunicado.

Junto a pesquisadores do Instituto Alfred Wegener, do Centro Helmholtz de Pesquisa Polar e Marinha (AWI), da Fundação da Universidade de Medicina Veterinária de Hannover (TiHo) e do Instituto Leibniz de Pesquisa do Mar Báltico Warnemünde (IOW), o geocientista analisou os buracos no mar ao redor do arquipélago alemão de Helgoland. A pesquisa levou em conta estudos geológicos, medições de sonar geofísico, comportamento de vertebrados e biologia da alimentação e uma avaliação por satélite e análise oceanográfica.

Os cientistas acabaram identificando 42.458 dessas crateras rasas de formato enigmático. Elas tinham profundidade média de apenas 11 centímetros, o que as diferem morfologicamente das crateras mais cônicas de pockmarks comuns.

A proposta dos especialistas? Os buracos misteriosos são obra de dois animais: a galeota-menor (Ammodytes marinus), um tipo de peixe também conhecido como enguia da areia, e o cetáceo Phocoena phocoena, um tipo de boto comum no Mar do Norte.

“Nossos resultados mostram, pela primeira vez, que essas depressões ocorrem em conexão direta com o habitat e o comportamento de botos e galeotas, e não são formadas por fluidos ascendentes”, afirma Schneider von Deimling. “Nossos dados de alta resolução fornecem uma nova interpretação para a formação de dezenas de milhares de poços no fundo do mar do Mar do Norte; e prevemos que os mecanismos subjacentes ocorrem globalmente, mas têm sido ignorados até agora.”

Para os pesquisadores, os botos criam a maioria das depressões do Mar do Norte enquanto buscam alimento no solo marinho. Uma de suas presas favoritas são as galeotas – que passam a maior parte do ano enterradas em sedimentos rasos. “A partir de análises do conteúdo estomacal de botos encalhados, sabemos que essas enguias da areia são uma importante fonte de alimento para a população do Mar do Norte”, comenta Anita Gilles, pesquisadora do TiHo com anos de pesquisa na biologia de mamíferos marinhos.

Segundo Schneider von Deimling, ele e seus colegas já haviam previsto quais eram os possíveis lugares para botos procurarem um lanchinho; e suas análises confirmaram que as crateras misteriosas sempre apareciam próximas aos habitats de galeotas-menores.

A equipe de pesquisa também acredita que, devido à erosão causada por correntes marinhas, esses buracos associados à alimentação dos cetáceos acabam se transformando em depressões maiores ao longo do tempo. Esta descoberta também tem implicações globais – a erosão de sedimentos por vertebrados no oceano poderia modular o fundo do mar em escala global e influenciar os ecossistemas bentônicos, aqueles que abrigam seres vivos dependentes de um substrato.

Os buracos cobrem 9% do solo marinho somente na área analisada pelo estudo. As estimativas iniciais dos cientistas indicam que 77.369 toneladas de sedimentos foram depositadas em uma área de 1.581 km². Isso equivale aproximadamente ao peso de meio milhão de carros.

“Nossos resultados têm implicações de longo alcance de uma perspectiva geológica e biológica. Eles podem ajudar a avaliar os riscos ecológicos associados à expansão das energias renováveis no setor offshore e, assim, melhorar a proteção ambiental marinha”, conclui Schneider von Deimling.

Fonte: Revista Galileu.

Foto: Johan Holmdahl / Getty Images.