Mudanças climáticas pioram enchentes urbanas e despertam interesse pelo conceito de ‘cidades-esponja’

“Quando chove, desaba” já foi uma metáfora para coisas ruins que aconteciam em sequência. Agora está se tornando uma declaração de fato sobre as chuvas em um clima em mudança.

Eventos climáticos extremos, como enchentes e inundações, devem se tornar cada vez mais frequentes com o passar dos anos devido às mudanças climáticas. E para mitigar os efeitos desses fenômenos, muitas vezes devastadores, como no caso das chuvas do Rio Grande do Sul, é preciso melhorar o planejamento das cidades com técnicas que considerem essas alterações, como o modelo de cidades-esponja. A técnica, porém, deve ser adaptada à realidade local, segundo especialistas.

O conceito de cidades-esponja surgiu na China, que vem aplicando a metodologia criada pelo arquiteto paisagista Kongjian Yu há 10 anos. O método consiste em planejar uma cidade para que consiga lidar com o excedente das águas, ao filtrar o excesso.

Em resposta a episódios recentes de enchentes, algumas cidades dos EUA estão começando a tomar medidas para incorporar os conceitos de “cidade-esponja” em seus planos de gerenciamento de águas pluviais, mas a maioria desses projetos ainda é piloto.

Uma cidade-esponja é uma solução natural que usa a paisagem para reter a água da chuva, evitando enchentes e outros problemas resultantes da precipitação. Elas são comumente construídas em áreas urbanas com áreas naturais abundantes, como árvores, lagos e parques, que auxiliam na absorção da água.

O conceito de “cidade-esponja” foi popularizado em 2013 e a inspiração por trás do desenvolvimento dessas áreas deriva de estratégias internacionais de gestão integrada de águas urbanas, incluindo sistemas de drenagem sustentáveis e desenvolvimentos de baixo impacto.

Em 2015, o governo chinês lançou o The National Sponge City Pilot Program, apoiando 30 cidades chinesas e contribuindo para a redução dos riscos de inundação no país. Em todas as cidades, aproximadamente 56 mil quilômetros de vias verdes e cerca de 72 mil quilômetros quadrados de áreas verdes e parques foram construídos.

Segundo um relatório do Asian Development Bank, a implementação dessa solução resolveria os maiores problemas relacionados à água enfrentados em regiões urbanas do país: a escassez e excesso de água, a poluição e a água barrenta.

Nas “cidades-esponja”, toda superfície precisa estar conectada a um espaço que possa inundar com segurança. Passar da infraestrutura verde tradicional para as “cidades-esponja” requer políticas, planos e incentivos integrados que apliquem esses tipos de soluções onde quer que a chuva caia.

Os estacionamentos podem ser projetados para inundar e liberar a água lentamente. O mesmo pode acontecer com quadras de esportes, parques, praças e até mesmo ruas, conforme prescrito no plano de gerenciamento Cloudburst de Copenhague, na Dinamarca.

Se o espaço dedicado a novos jardins de chuva e zonas úmidas no solo para limitado, os estacionamentos poderiam ser reformados com asfalto ou concreto permeável que permitisse que a água passasse por ele até o solo abaixo. Os telhados poderiam ser convertidos em telhados verdes com vegetação que detêm e retêm a água da chuva.

Nessa visão de “cidade-esponja”, as ruas seriam redesenhadas para direcionar as águas pluviais para parques e campos de recreação construídos metros abaixo da superfície da rua e projetados para inundar com segurança em condições climáticas extremas. As áreas naturais existentes seriam aproveitadas para o armazenamento de águas pluviais, aprimorando sua ecologia.

Por que as cidades-esponjas foram inventadas? 

De acordo com um relatório do IPCC, cerca de 700 milhões de pessoas vivem em áreas de extrema precipitação. Assim, estima-se que a implementação de cidades-esponjas pode contribuir para o urbanismo sustentável, promovendo a resiliência e melhoria da habitabilidade dessas regiões.

Existem quatro problemas principais que as cidades-esponjas podem resolver: 
Menos água disponível nas áreas urbanas e periurbanas: através do desenvolvimento urbano, a maioria das cidades foi pavimentada — o que impediu a absorção natural de água do solo. A dificuldade de absorção dessas áreas impossibilita o abastecimento de aquedutos, criando a escassez da água.
Água poluída despejada em rios ou no mar: quando chove, muitas vezes as estações de tratamento de águas residuais não conseguem acomodar toda a água que os sistemas de drenagem transportam. Dessa forma, parte da água da chuva misturada com o esgoto é despejada sem tratamento nos rios, contribuindo para a poluição de corpos d’água.
Degradação de ecossistemas urbanos e áreas verdes: em decorrência da poluição, parte dos ecossistemas urbanos são afetados, contribuindo para a perda da biodiversidade.
Aumento da intensidade e frequência das inundações urbanas: uma das consequências das mudanças climáticas é o aumento de eventos climáticos extremos. À medida que a capacidade de absorção da superfície urbana diminui, o risco de inundações provocadas por tempestades aumenta.

Taneha Bacchin, professora em projeto urbano da Universidade Técnica de Delft, na Holanda, vive na Holanda, também faz um alerta sobre a necessidade de se reduzir áreas de concreto para lidar com mudanças climáticas.

“Se você continua concretando, você está produzindo área impermeável. Você está gerando o desastre. É uma correlação muito fácil. Quanto mais impermeabilizar o solo, mais vazão após chuva em excesso teremos, mais enchentes, mais inundações teremos.”

“É o conceito de manter a água, a água de precipitação, no local onde ela cai. Essa água não é desperdiçada, digamos, em outros locais, ela permanece naquele local para um uso futuro”, diz a arquiteta e urbanista.

“No conceito da esponja não se trabalha só com a drenagem da precipitação, mas sim também com a retenção dessa água para que no momento, por exemplo, de secas, essa água passa ser reutilizada.”

Para isso, Taneha destaca medidas que o Brasil pode aprender com a Holanda, país que conseguiu se desenvolver com inundações e se tornar exemplo de modelo a ser seguido.

“Um movimento muito comum hoje nas cidades holandesas é tirar a pavimentação da calçada. Os próprios residentes dos condomínios das casas pedem para a prefeitura, senão eles mesmo removem a pavimentação que é adjacente ao prédio e fazem um pequeno jardim.”

A adição de espaços verdes, implementação de parques urbanos, plantações de árvores e outras soluções naturais também podem contribuir para o poder de absorção das cidades. Ou seja, existe a possibilidade da adaptação de cidades já existentes à cidades-esponjas.

“Normalmente, em ambientes urbanos, você tem telhados, áreas pavimentadas e tudo isso cobre sujeira e vegetação que costumavam agir como uma esponja. Telhados verdes, jardins de chuva e outras intervenções podem ajudar a desacelerar a água e começar a desfazer esta alteração em grande escala no ciclo hidrológico”, disse Michael Kiparsky, diretor do Wheeler Water Institute da Universidade da Califórnia, Berkeley.

Fontes: Folha SP, O Globo, eCycle, Valor Econômico.

Foto: Qilai Shen/Bloomberg