A desertificação está avançando no Brasil? Qual a relação com o clima?

A cada segundo, uma área equivalente a quatro campos de futebol com solo saudável se transforma em espaço degradado no planeta. Esse dado foi anunciado pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, na data em que é celebrado o Dia Mundial de Combate à Desertificação. O tom de alerta em escala mundial se junta aos movimentos que cobram políticas adequadas à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e da popularização do assunto.

“São temas que precisam de um comprometimento e atenção da sociedade como um todo. Precisamos fazer com que essa discussão avance além da dimensão da catástrofe, sem negar essa realidade”, diz Edneida Cavalcanti, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Ela defende que seja considerada mais a responsabilização de práticas humanas inadequadas e menos a classificação da desertificação como uma “fatalidade climática”, sem avanços políticos.

“É uma questão das atividades humanas, em função da maneira como elas são desenvolvidas, a exemplo da irrigação inadequada, do uso do solo de forma insustentável, da criação ligada com o sobrepastoreio, da mineração de forma mais agressiva. Tudo isso vai desencadear processos que comprometem a capacidade produtiva do solo”, afirma Cavalcanti. Ela define a desertificação como um fenômeno de impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais, entre outros.

Pelo fator climático, no Brasil, há o avanço de um cenário considerado inédito, de acordo com uma nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), divulgada em janeiro deste ano. O documento afirma que pela primeira vez foram identificados municípios com clima árido no país, ao listar os baianos Abaré, Chorrochó, Curaçá, Juazeiro, Macururé e Rodelas, além dos pernambucanos Petrolina e Belém do São Francisco.

O estudo para definir que oito municípios brasileiros possuem áreas similares a desertos considera uma combinação de fatores climáticos, que associados a atividades humanas insustentáveis se tornam ainda mais propícios à formação das conhecidas paisagens estéreis e sem vida nos territórios. Por isso, antes de planos “mirabolantes” de combate a esse fenômeno, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato defendem um olhar para as práticas que afetam diretamente as mudanças climáticas e a própria desertificação.

“Essas atividades humanas insustentáveis estão inseridas em um modelo global de desenvolvimento, que foca em atender commodities e serviços especializados. Então aqui no Nordeste a dinâmica de degradação está associada à instalação de megaprojetos, destaco a questão dos parques eólicos e solares, do agronegócio e da mineração”, afirma Aldrin Martin Pérez Marin, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (INSA).

Imagine uma área maior que todo o Estado de São Paulo coberta por um clima árido. É o que mostra um levantamento recente: 282 mil quilômetros quadrados no Brasil, espalhados por Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí, já registram condições de aridez permanente.

O dado acende um alerta. Cientistas afirmam que a crise climática está alterando o padrão de chuvas e a umidade do ar no país. Com temperaturas mais altas e maior evaporação, regiões do semiárido estão cada vez mais próximas de se transformar em verdadeiros desertos.

O fenômeno não é uma seca passageira. Trata-se de uma mudança duradoura no clima, com impactos diretos no acesso à água, na produção de alimentos e até na geração de energia.

Mais de 60% da eletricidade brasileira vem de usinas hidrelétricas, que dependem de reservatórios. Sem chuva, o risco de escassez aumenta.

No campo, a combinação de calor extremo e falta de água ameaça lavouras e a criação de animais, pressionando a oferta e elevando preços.

Por isso, para especialistas, a hora de agir é agora.

Medidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa, restaurar áreas degradadas e proteger os recursos hídricos são consideradas urgentes para frear o avanço da aridez no país.

“Combater a desertificação não necessariamente implica na implantação de grande práticas físicas, mecânicas, biológicas para reversão. Mas implica em um processo de formação e educativo da sociedade como um todo. Então implica uma mudança de comportamento social, político, cultural e econômico para reverter esse processo. Isso é importante porque se a gente não faz essa mudança de comportamento não será possível. Vamos continuar sempre discutindo esse aspecto”, defende o pesquisador do INSA.

Além disso, para Marin, um dos trunfos nesse processo de reversão está justamente na Caatinga, como um bioma eficaz em vários aspectos. De acordo com o pesquisador, por exemplo, estudos recentes revelam a importância do bioma no sequestro de carbono.

Fontes: g1. Brasil de Fato.

Foto: Rafael Martins / AFP.

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