Parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis fazem parte de um modelo urbanístico conhecido como “cidade-esponja”. A proposta busca reter a água da chuva no próprio espaço urbano, reduzindo enchentes e assegurando reservas para períodos de estiagem.
O arquiteto chinês Kongjian Yu, considerado um dos maiores nomes da arquitetura do mundo, está entre as vítimas do acidente aéreo que matou quatro pessoas na noite de terça-feira (23), no Pantanal de Mato Grosso do Sul.
Kongjian Yu foi o criador do conceito de “cidades-esponja”, projetos urbanos desenhados para absorver grandes volumes de água e conversou com o Fantástico em agosto desse ano.
“A água não é inimiga”, resumiu o urbanista. Em vez de represas e barragens, ele defende parques e áreas verdes que absorvem o excesso de chuva, como uma esponja.
Yu era consultor do governo chinês. Já projetou obras em mais de 70 cidades, que hoje são capazes de receber mais chuva do que caiu no Rio Grande do Sul. Ele explicou que havia três pontos principais em todos os seus projetos.
“A natureza se adapta, é viva. O conceito de cidade-esponja é baseado no princípio de que a natureza regula a água”, explicou.
– O primeiro ponto é reter a água assim que ela cai do céu: ele disse que 20% da área de toda fazenda tem que ser reservada para água em sistemas de açudes, para que ela não acabe toda indo para o rio principal. E que tem que haver áreas grandes permeáveis: porosas, não pavimentadas.
– O segundo é diminuir a velocidade dos rios: “Quando você desacelera a água, você dá a oportunidade pra natureza absorvê-la. Para desacelerar, você usa a vegetação e cria um sistema de lagos”.
– O terceiro ponto é adaptar as cidades para que elas tenham áreas alagáveis, para onde a água possa escorrer sem causar destruição: criar grandes estruturas naturais alagáveis para que a água possa ser contida por um tempo e, depois, rapidamente absorvida pro lençol freático sem invadir as casas.
Origem da ideia
A noção de cidade-esponja ganhou paraça após uma tragédia em Pequim, na China, em 2012, quando chuvas intensas provocaram a morte de quase 80 pessoas. Enquanto boa parte da capital chinesa estava submersa, a Cidade Proibida — construída séculos antes com um sofisticado sistema de drenagem — permaneceu seca.
O episódio reforçou a crítica de Yu: cidades modernas dependem demais de infraestrutura de concreto, canos e bombas, mas negligenciam soluções naturais que permitem à água infiltrar no solo.
A partir daí, a China passou a investir fortemente em projetos de cidade-esponja, desenhados para absorver o excesso de chuva e liberar gradualmente a água, reduzindo enchentes e garantindo reservas para épocas de seca.
Como funcionam as cidades-esponja
O modelo se baseia em um conjunto de medidas que transformam a infraestrutura urbana. Entre as principais estão:
Parques alagáveis: áreas verdes projetadas para ficar parcialmente inundadas durante as cheias. No período seco, funcionam como espaços de lazer e convivência. Muitas vezes, têm passarelas elevadas e vegetação nativa capaz de reter água e favorecer a biodiversidade.
Telhados verdes: jardins instalados no topo de prédios. Eles reduzem o volume de água que vai para os bueiros, ajudam a refrescar as cidades e ainda filtram o ar. O desafio é estrutural: muitos edifícios precisam ser reforçados para receber o peso adicional.
Calçamentos permeáveis: pisos porosos que permitem infiltração da água da chuva no solo. Em Copenhague e em cidades chinesas, foram criados espaços públicos com esse tipo de tecnologia, que absorve e libera a água lentamente.
Praças-piscina: áreas esportivas ou de lazer que se transformam em reservatórios temporários em dias de tempestade. Em Roterdã, na Holanda, a praça Benthemplein foi projetada para receber milhões de litros de água, que são liberados gradualmente de volta ao subsolo.
Exemplos pelo mundo
A China lidera a aplicação da ideia. Em cidades como Taizhou e Jinhua, muros de concreto que canalizavam rios foram demolidos e substituídos por parques capazes de conter enchentes. O parque Yanweizhou, em Jinhua, tornou-se referência internacional ao conciliar drenagem natural, lazer e preservação ambiental.
Outros países também adotaram soluções semelhantes:
Roterdã (Holanda) construiu a praça Benthemplein, com três bacias para armazenar água da chuva.
Copenhague (Dinamarca) instalou pisos porosos em áreas públicas, como a praça Langelands, que funciona como esponja.
Nova York (EUA) desenvolveu parques à beira do East River para conter a água em períodos de cheia.
Bangcoc (Tailândia) criou o parque Chulalongkorn, com capacidade de armazenar temporariamente grandes volumes de água em épocas de chuva intensa.
Debate no Brasil
No país, episódios de enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, reacenderam a discussão.
O modelo brasileiro ainda aposta principalmente em piscinões — grandes reservatórios de concreto que acumulam água de forma passiva, mas geram problemas urbanos, como lixo e mau cheiro.
Algumas iniciativas pontuais já foram testadas, mas políticas públicas para cidades-esponja ainda engatinham no Brasil.
O que são as “cidades-esponja”
As “cidades-esponja” funcionam em diferentes escalas. Nas vilas históricas, diques de mais de 700 anos mostram como pequenas intervenções já reduzem a paraça do rio. Em áreas agrícolas, Yu defende que 20% das fazendas sejam destinadas à água, evitando que o escoamento cause alagamentos nas cidades. Em metrópoles como Xangai, parques inteiros foram planejados para se transformar em reservatórios temporários quando chove demais.
O urbanista também levou o conceito ao Brasil. Em visita ao Rio de Janeiro, sugeriu mudanças na Avenida Francisco Bicalho, no centro da cidade, com a proposta de dobrar o espaço destinado à água e, assim, reduzir enchentes. “Você transfere a avenida para a rua de trás, resolve o problema e ainda aumenta o valor das propriedades”, disse.
Apesar da imagem de inovação, Yu reforça que se trata de recuperar uma sabedoria antiga. Ele se inspira na experiência como agricultor até os 17 anos e na lógica simples da natureza: a vaca come a grama, o esterco aduba o arroz, a vegetação filtra nutrientes e a água retorna limpa ao rio. “É um jeito sábio de usar a água”, explica.
A filosofia por trás de seus projetos dialoga com a própria cultura chinesa, em especial com o conceito do chi — o sopro vital que deve sempre fluir. Para Yu, tentar aprisionar a água adoece as cidades modernas. Ao contrário, tratada como um ser vivo, ela devolve equilíbrio e vida às comunidades.
Legado
Kongjian Yu foi fundador do escritório Turenscape e projetou centenas de parques e espaços públicos em diferentes países. Sua morte interrompe a trajetória de um dos arquitetos mais influentes do urbanismo contemporâneo, mas seu conceito de cidade-esponja segue como referência global para metrópoles que buscam conviver melhor com a água.
Fontes: g1, Fantástico.
Foto: Turenscape
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