Passivos de Reserva Legal em propriedades rurais (áreas de vegetação dentro de propriedades que deveriam ser conservadas, mas foram desmatadas) já somam 18 milhões de hectares, uma extensão maior que a do Estado do Acre. Os dados foram revelados em mapeamento do IPAM (Institutos de Pesquisa Ambiental da Amazônia) na última semana, durante a COP30.
Já os passivos de APPs (Áreas de Preservação Permanente) chegam a 3,2 milhões de hectares em todo o Brasil, segundo os dados do Termômetro do Código Florestal, desenvolvido pelo instituto.
As áreas de Reserva Legal, APPs e CARs (Cadastro Ambiental Rural) são definidas pelo Código Florestal Brasileiro, aprovado em 2012. De acordo com a lei, propriedades na Amazônia devem manter 80% de sua vegetação nativa conservada; no Cerrado, o percentual mínimo é de 20%, ou 35% no caso de imóveis situados dentro da Amazônia Legal. Nas demais regiões, a lei estipula uma reserva de 20% da propriedade.
As APPs são áreas que protegem áreas de interesse ambiental, como topos de morros, nascentes e margens de rios.
A área total desmatada em Reserva Legal no país cresceu 900 mil hectares desde o ano passado, quando o Ipam iniciou o monitoramento. A maioria do passivo está localizado em propriedades rurais na Amazônia e do Cerrado. Pará, Mato Grosso, Maranhão e Rondônia são os estados com maior extensão irregularmente ocupada (soma do desmatamento em Reserva Legal e APPs).
No total, a Amazônia concentra 52% das irregularidades em Reserva Legal do país, com 9,5 milhões de hectares, além de 25% do passivo de APP, cerca de 800 mil hectares.
O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, tem 5,5 milhões de hectares de áreas que deveriam ser Reserva Legal e estão irregularmente ocupadas. No caso das APPs, a área supera (+15%) no bioma amazônico, com 962 mil hectares de APPs degradadas.
Mapeamento mostra também preservação voluntária
O Brasil possui também propriedades rurais que preservam além da obrigação: são 70 milhões de hectares de excedentes de vegetação nativa – áreas dentro de propriedades rurais e assentamentos que poderiam ser legalmente desmatadas, mas estão de pé. Apesar de somar um território maior do que o deficit registrado na Reserva Legal, é um saldo que não se pode levar em conta como um positivo ambiental, afirma Jarlene Gomes, pesquisadora e coordenadora de projetos em política pública do IPAM.
“Quando observamos os números por bioma, fica claro que o excedente está mal distribuído em relação à localização dos passivos [áreas mais desmatadas]. Do total nacional, os maiores excedentes estão no Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Já os maiores passivos de Reserva Legal ocorrem na Amazônia e no Cerrado. Na Amazônia, por exemplo, há 6,2 Mha [milhões de hectares] de excedente, mas 8,3 Mha de passivo de Reserva Legal, ou seja, o excedente não cobre o passivo. No Cerrado, apesar do grande excedente, o bioma sofre forte pressão por expansão agrícola e perda contínua de habitat. Na Mata Atlântica, os 9,7 Mha de excedente ocorrem em um bioma já altamente fragmentado, onde a conservação remanescente é crítica.”
O mapeamento do IPAM mostra que Cerrado e Caatinga somam 62% de todo esse excedente, mas vêm registrando redução desde 2020, especialmente em regiões de fronteira agrícola. No Mato Grosso, por exemplo, a área preservada dentro de propriedades rurais além do mínimo exigido por lei chega a 5,6 Mha, enquanto no Pará essa extensão corresponde a 2,5 Mha.
Estados que mais desmatam APPs
Minas Gerais — 505.399,4 ha
Pará — 365.525,9 ha
Mato Grosso — 350.398,9 ha
Goiás — 289.438,4 ha
São Paulo — 230.009,6 ha
Mato Grosso do Sul — 212.892 ha
Bahia — 211.385 ha
Paraná — 185.972,7 ha
Rio Grande do Sul — 159.364,2 ha
Tocantins — 129.224,2 ha
Fonte: IPAM (valores em hectares)
“O Código Florestal pode ser visto como uma lei fiscalizadora, mas também como uma oportunidade para o produtor. Se eu tenho uma área que poderia legalmente desmatar, mas não desmatei, posso negociar isso como uma cota de Reserva Legal ou receber pagamento por serviços ambientais.”, detalha Jarlene, destacando que essas áreas podem ser manejadas com sistemas agroflorestais e plantio de frutíferas, por exemplo, garantindo novas opções de renda sem destruir a vegetação.
78 milhões de hectares com cadastro problemático
Além dos passivos, a ferramenta do IPAM também identifica um total de 78 milhões de hectares declarados no CAR (Cadastro Ambiental Rural) como propriedades privadas, mas que se sobrepõem a áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. Por se tratar de um sistema autodeclaratório, o CAR tem sido usado de forma irregular para a grilagem de terras, observa o IPAM em nota.
Ao todo, 122 mil cadastros foram cancelados em 2025 por violarem as normas de ordenamento fundiário. Marabá e São Félix do Xingu, polos da agropecuária no Pará, são os municípios com maior número de CARs negados de todo o Brasil.
Os pesquisadores chamam atenção também para o fato de que a retirada de vegetação nativa tem impacto direto no regime de chuvas de qualquer região. De acordo com estudo realizado pelo IPAM na Estação de Pesquisa Tanguro, 30% dos imóveis rurais do Centro-Oeste já operam fora do ideal climático devido ao desmatamento e às mudanças climáticas, podendo chegar a 50% até 2030.
“Zerar o passivo da Reserva Legal significaria mais chuva no Brasil. Isso quer dizer que teríamos menos risco de quebra de safra, por exemplo. A aplicação do Código Florestal é para proteger a natureza, mas também é para proteger a água e a produção de comida no país”, aponta Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e membro do comitê técnico do Observatório do Código Florestal.
Ainda sobre a importância da preservação de APPs, especialmente em margens de rios, o IPAM destaca em nota que “o efeito destrutivo das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024 foi potencializado pelo fato de o estado possuir mais de 159 mil hectares de APPs não conservadas, o equivalente a 28% de sua área de proteção permanente”.
Fonte: IPAM,Um Só Planeta.
Foto: Conexão Tocantins.


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