Em 2004, um tsunami causado por um terremoto subaquático com magnitude de 9,1 graus na escala Richter, na costa da Indonésia, dizimou comunidades litorâneas ao longo do Oceano Índico, matando pelo menos 225 mil pessoas em uma dúzia de países. A enorme quantidade de mortos foi causada, em parte, pelo fato de muitas comunidades não terem recebido alerta de tsunami. Muitos sensores estavam fora de operação por questões de manutenção e muitas áreas costeiras não contavam com sistemas de sirene de alerta.
Mas minutos e horas decorridos antes que as enormes ondas de água com até 9 metros de altura atingissem as faixas litorâneas, alguns animais pareciam sentir o perigo iminente e esforçavam-se para fugir. Elefantes correram para os terrenos mais altos, flamingos abandonaram áreas de ninhos em locais baixos e cães se recusaram a sair de casa. Da aldeia costeira de Bang Koey, na Tailândia, partiram relatos sobre búfalos que estavam na praia e subitamente levantaram as orelhas, olharam o mar e debandaram para o topo de um morro minutos antes da chegada do tsunami.
“Sobreviventes também relataram terem visto animais – como vacas, cabras, gatos e pássaros -, movimentando-se deliberadamente para o interior pouco depois do terremoto e antes da chegada do tsunami”, diz Irina Rafliana, que fez parte de um grupo consultivo da Estratégia Internacional para Riscos de Desastres das Nações Unidas (UNISDR) e agora é pesquisadora do Instituto Alemão para o Desenvolvimento em Bonn, na Alemanha. “Muitos dos sobreviventes correram junto com esses animais ou imediatamente depois deles.”
Rafliana relembra histórias similares, como a do tsunami de 2010, gerado por um terremoto subaquático perto de Sumatra, que matou cerca de 500 pessoas nas ilhas Mentawai, na Indonésia, quando também houve relatos sobre animais, como elefantes, que agiram como se tivessem algum tipo de conhecimento precoce do evento. E uma tartaruga recém-libertada deu meia-volta subitamente, dois dias antes da erupção vulcânica em Tonga, em janeiro de 2021.
Os relatos são antigos
A referência mais antiga registrada sobre comportamentos incomuns dos animais antes de um desastre natural data de 373 a.C., quando o historiador grego Tucídides relatou que ratos, cães, cobras e doninhas abandonaram a cidade de Hélice, na Grécia, dias antes de um terremoto catastrófico.
Existem descrições similares em outros momentos da história humana. Minutos antes do terremoto de Nápoles, na Itália, em 1805, bois, carneiros, cães e gansos supostamente começaram a emitir sinais de alarme em uníssono. E há relatos de que cavalos correram em pânico pouco antes do terremoto de São Francisco, nos Estados Unidos, em 1906.
Mesmo com tecnologia avançada, pode ser difícil detectar muitos tipos de desastres naturais iminentes. No caso de terremotos, por exemplo, os sismógrafos somente começam a mover-se e registrar oscilações no papel quando a terra já começou a tremer. Por isso alguns cientistas estão cada vez mais dispostos a considerar sinais de alerta menos ortodoxos, como o comportamento dos animais.
“Mesmo com toda a tecnologia disponível hoje em dia, não conseguimos prever adequadamente os terremotos, nem a maior parte das catástrofes naturais”, afirma Charlotte Francesiaz, líder de uma equipe de ornitólogos do Escritório Francês da Biodiversidade (OFB) e participante do projeto Kivi Kuaka, que está examinando como as aves migratórias que cruzam o Oceano Pacífico parecem ser capazes de desviar-se de tempestades e outros perigos.
Rastreamento remoto
Uma das pesquisas mais importantes sobre a forma como os animais podem prever desastres naturais foi conduzida cinco anos atrás por uma equipe liderada por Martin Wikelski, do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha.
O estudo envolveu registros dos padrões de movimento de diferentes animais – vacas, carneiros e cães -, num processo conhecido como rastreamento remoto, em uma fazenda na região de Marcas, na Itália, que é sujeita a terremotos. Colares com chips foram colocados em todos os animais e seus dados de movimentação eram enviados para um computador central em intervalos de minutos, entre outubro de 2016 e abril de 2017.
Os pesquisadores encontraram evidências de que os animais da fazenda começaram a mudar de comportamento até 20 horas antes dos abalos. Sempre que os animais, monitorados coletivamente, apresentavam 50% mais atividade por um período superior a 45 minutos, os pesquisadores previam terremotos de magnitude superior a 4,0. Sete dos oito terremotos fortes foram previstos corretamente dessa forma.
“Quanto mais próximos os animais estavam do epicentro do tremor iminente, mais cedo eles mudavam seu comportamento”, afirmou Wikelski em 2020, quando o estudo foi publicado.
Outro estudo conduzido por Wikelski, que acompanhou os movimentos de cabras monitoradas nas encostas vulcânicas do Monte Etna, na Sicília (Itália), também concluiu que os animais pareciam sentir antecipadamente quando o Etna entraria em erupção.
Os cientistas agora estão explorando se essas perturbações eletromagnéticas na atmosfera antes dos terremotos poderão ser um sinal de alerta de tremores iminentes que os animais podem sentir. “Talvez eles detectem ondas de pressão antes da chegada dos terremotos ou talvez detectem mudanças no campo elétrico como linhas de falha quando a rocha começa a comprimir-se. Os animais também contêm [no corpo] muito ferro, que é sensível ao magnetismo e aos campos elétricos”, explica Blackett.
Dias antes do terremoto de Gujarat, na Índia, de magnitude 7,7, em 2001, satélites captaram um pico dos níveis de monóxido de carbono sobre uma região de 100 km2 em volta do que viria a ser o epicentro do terremoto. Cientistas indicaram que o gás poderia ter sido paraçado para fora da terra devido ao acúmulo de tensão nas rochas à medida que a pressão do tremor se acumulava.
Animais como alerta de terremotos
Com a enorme dificuldade enfrentada para prever os terremotos, essas descobertas trazem a questão: os seres humanos realmente poderão prever terremotos observando os animais e assim terem condições de avisar às pessoas do que estaria por acontecer?
Os pesquisadores precisarão observar um número maior de animais por períodos de tempo mais longos, em diferentes regiões sujeitas a terremotos e em várias partes do mundo antes que eles sejam utilizados para prever tremores. Para isso, Wikelski e outros estão buscando a ajuda de Icarus – o sistema global de observação de animais da Estação Espacial Internacional – para reunir dados de movimentos de animais em todo o planeta.
Icarus (sigla em inglês de Cooperação Internacional para a Pesquisa de Animais Usando o Espaço e também referência à mitologia grega) é uma iniciativa formada em 2002 por cientistas de diferentes países cujo objetivo é oferecer um sistema preciso de observação global de uma série de pequenos animais rastreados (aves, por exemplo) para fornecer dados e indicações sobre a interação entre a vida animal do planeta e seus sistemas físicos.
Paralelamente, a China já criou um sistema de alerta de terremotos em Nanning, no sul do país, que monitora o comportamento de animais que ficam muito mais próximos do solo, especificamente cobras. Esses répteis possuem um poderoso conjunto de mecanismos sensoriais para detectar minúsculas alterações de aspectos do seu ambiente. Em parte, foram as mudanças súbitas no comportamento delas e de outros animais que alertaram as autoridades para evacuar a cidade chinesa de Haicheng, em 1975, pouco antes de um grande terremoto. Jiang Weisong, então diretor do escritório de Nanning, afirmou ao jornal China Daily, em 2006: “Quando um terremoto está por acontecer, as cobras saem dos seus ninhos, mesmo no frio do inverno.”
Aves fogem de tempestades
Os animais parecem conseguir detectar com antecedência não apenas terremotos. As aves estão sendo cada vez mais estudadas porque parecem identificar a aproximação de outros desastres naturais.
Em 2014, cientistas que rastreiam mariquitas-de-asa-amarela nos Estados Unidos registraram um exemplo surpreendente do que é conhecido como migração de evacuação. Essas aves começaram a sair do seu local de reprodução nas montanhas Cumberland, no leste do Tennessee, e voaram por 700 km – mesmo tendo acabado de voar por 5 mil km desde o norte da América do Sul. Pouco depois que as aves voaram, uma terrível série de mais de 80 tornados atingiu a região, matando 35 pessoas e causando prejuízos de mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões).
“Os meteorologistas e físicos sabem há décadas que tempestades com tornados produzem infrassons muito fortes que podem viajar por milhares de quilômetros de distância da tempestade”, disse na época Henry Streby, biólogo da vida selvagem da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Ele afirmou ainda que o infrassom de tempestades intensas viaja a uma frequência na qual os pássaros estariam sintonizados para ouvir.
Também se acredita que a variação de infrassom seja o mecanismo pelo qual as aves migratórias parecem ser capazes de desviar-se de tempestades em vastos cruzamentos oceânicos – uma ideia que agora está sendo analisada pelo projeto Kivi Kuaka, um estudo em andamento no Oceano Pacífico.
Formado em janeiro de 2021, o projeto envolve uma equipe do Museu Nacional de História Natural da França, que instalou rastreadores de GPS em 56 aves de cinco espécies diferentes para acompanhar as rotas percorridas através do oceano.
A Estação Espacial Internacional oferece a supervisão, recebendo os sinais dos pássaros durante o voo e observando como eles reagem aos riscos naturais durante o trajeto. E os rastreadores dos pássaros também coletam.
Fonte: BBC Future