Tratado global contra a poluição plástica

Na semana passada, delegados de mais de 150 países se reuniram no Uruguai para começar as negociações de um acordo global histórico para acabar com a poluição plástica. O plástico é um dos materiais que mais cresce em uso global, e a produção deve dobrar para mais de um bilhão de toneladas por ano até 2050. Ou seja, mais poluição.

“A ciência é clara: precisamos de uma ação global rápida, ambiciosa e significativa para reduzir a poluição plástica”, diz Jyoti Mathur-Filipp, secretário-executivo do Comitê Intergovernamental de Negociação sobre o assunto. “Podemos estabelecer as bases necessárias para implementar uma abordagem de ciclo de vida para a poluição plástica, o que contribuiria significativamente para acabar com a tripla crise planetária de mudança climática , perda da natureza e da biodiversidade e poluição e resíduos”, diz em nota no site do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Em março, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente tomou uma decisão histórica de criar um tratado juridicamente vinculante que considera o ciclo de vida dos plásticos, desde a produção até embalagens inovadoras, produtos e modelos de negócios.

A secretaria do comitê preparou uma análise de questões em quatro áreas principais necessárias na transição para uma economia circular: 1) eliminar e substituir plástico desnecessário e aditivos perigosos, 2) projetar produtos de plástico para serem reutilizados e reciclados, 3) garantir que os produtos sejam reutilizados e reciclados e 4) gerenciar a poluição plástica de forma ambientalmente responsável.

A expectativa é que o tratado seja concluído até o final de 2024. Até lá, os negociadores terão a difícil tarefa de elaborar e concordar com regras e estratégias para controlar a poluição plástica – que hoje representa 85% de todo o lixo marinho. O PNUMA prevê que a quantidade de plástico no oceano deve quase triplicar até 2040, adicionando de 23 a 37 milhões de toneladas a mais de resíduos a cada ano.

O custo da poluição plástica para a sociedade – incluindo a limpeza ambiental e a degradação dos ecossistemas – ultrapassa US$ 100 bilhões anuais, de acordo com a Fundação Minderoo, em Perth, Austrália. “O custo da inação contra o desperdício de plástico excede em muito o custo de lidar com os plásticos”, afirma Linda Godfrey, cientista principal do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial em Pretória, África do Sul.

Godfrey diz que os negociadores de tratados terão que lidar com opiniões conflitantes sobre como resolver a poluição: organizações não-governamentais e lobistas geralmente querem proibir plásticos descartáveis ​​e encontrar alternativas mais seguras. A indústria de plásticos, por sua vez, diz que a poluição pode ser resolvida por meio de uma melhor coleta de lixo. Já as indústrias de gerenciamento de resíduos e reciclagem pressionam por mais reciclagem. Como “não existe uma solução mágica”, Godfrey espera que o tratado inclua todas essas medidas, com graus variados de país para país.

A cientista também deseja que o tratado especifique que os produtores paguem pela coleta, classificação e reciclagem das embalagens plásticas e dos produtos que fabricam. Isso desviaria mais plástico dos aterros e afastaria o ônus financeiro da gestão de resíduos dos governos locais, que normalmente são financiados por impostos. Se as empresas que fabricam e usam plástico não podem fazer isso, as questões, na visão da cientista, deveriam ser outras: esse produto deveria estar no mercado? E deveria ser em plástico?

Outro ponto-chave que o tratado deve abordar é a reciclagem. Atualmente, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados, em parte porque têm pouco valor. Para impulsionar a economia circular para o plástico, Andrew Forrest, bilionário australiano da mineração e filantropo, acredita que os países devem concordar em colocar uma sobretaxa na criação de polímeros, os blocos de construção dos plásticos, sendo que esse dinheiro poderia ser usado para financiar a reciclagem.

Os varejistas que vendem produtos de plástico também devem ser obrigados a comprar de volta os resíduos e encontrar maneiras de reutilizá-los, diz Forrest, que preside a Fundação Minderoo, acrescentando que tal abordagem também ajudaria a acabar com a produção de plásticos que não podem ser reutilizados ou reciclados, porque não haveria ninguém para comprá-los de volta. “Os principais fabricantes e distribuidores de plástico admitiram para mim que não dão aos consumidores outra escolha a não ser consumir plástico que não pode ser reciclado. Com a regulamentação respaldada por penalidades, você verá as empresas mudarem seus hábitos imediatamente”, acredita.

Godfrey, porém, questiona se uma economia circular é desejável, principalmente porque pouco se sabe sobre os riscos à saúde representados por plásticos que foram reciclados várias vezes. “À medida que impulsionamos uma maior circularidade plástica, precisamos garantir que não estamos aumentando o risco para a saúde humana ou para o ecossistema”, diz ela.

Em todo o mundo, principalmente na Ásia, os resíduos plásticos são queimados. Apesar dessa prática reduzir o volume de lixo, evitando assim criadouros de bactérias, vírus e mosquitos, a queima é um dos principais contribuintes para a poluição do ar. Em termos de saúde humana, estudos descobriram que nós estamos consumindo microplásticos nos alimentos e na água, e que plásticos menores (nanoplásticos), causam danos e inflamação na pele e nas células pulmonares. Os plásticos também contêm aditivos – bisfenol A, ftalatos e bifenilos policlorados – que estão ligados à desregulação endócrina e anormalidades reprodutivas.

“Estamos apenas começando a abrir a caixa de Pandora para descobrir quanto o plástico e seus produtos químicos associados há em nós”, conta a neurocientista Sarah Dunlop, diretora de plásticos e saúde humana da Fundação Minderoo. Segundo ela, o tratado deve considerar pedir aos países que proíbam ou eliminem produtos químicos no plástico que são conhecidos por prejudicar a saúde humana. O cronograma prevê mais quatro reuniões do comitê até novembro de 2024. Quando as negociações forem concluídas, o PNUMA vai convocar uma conferência diplomática para adotar o instrumento e abri-lo para assinaturas.

Fonte: Um Só Planeta.

Foto: Divulgação.