Alguns campos de golfe fechados nos EUA foram comprados por fundos imobiliários, municípios e grupos sem fins lucrativos e, depois, transformados em reservas naturais, parques e áreas úmidas. Entre eles estão locais em Detroit, Pensilvânia, Colorado, o Finger Lakes, no norte do estado de Nova York, e pelo menos quatro na Califórnia.
“Percebemos bem rápido o alto valor de restauração, o valor de conservação e o valor recreativo do acesso público”, disse Guillermo Rodriguez, diretor estadual para a Califórnia da organização sem fins lucrativos Trust para Public Land, que comprou o campo de San Geronimo no condado de Marin por US$ 8,9 milhões, em 2018, e o renomeou como Bem Comum de San Geronimo.
Durante um recente passeio pelo terreno, que fica na parte baixa do vale de San Geronimo, a menos de uma hora de carro ao norte de São Francisco, Rodriguez apontou para colinas que servem de habitat para a vida selvagem, como falcões que nos sobrevoavam. “Temos terras públicas de ambos os lados”, disse ele. “Este era o elo perdido”.
A restauração das terras de San Geronimo ainda está em andamento. As planícies aluviais serão reconectadas e uma barreira contra peixes foi removida, permitindo o acesso a áreas migratórias e de reprodução mais robustas para o salmão-prateado e a truta-arco-íris, ameaçada de extinção. Também estão planejadas trilhas que vão contornar habitats sensíveis, fazendo da terra um bote salva-vidas ecológico acessível ao público, totalmente diferente de seus tempos como campo de golfe.
“É um lugar ótimo e lindo”, disse Charles Esposito, 76 anos, aposentado que estava passeando no local. “Adoro isso aqui”.
Nos últimos anos, a indústria do golfe tomou medidas para aliviar seu impacto ambiental em alguns locais, utilizando menos água, semeando plantas amigas dos polinizadores e diminuindo o uso de pesticidas e fertilizantes.
Os recursos e produtos químicos necessários para manter a grama imaculada fizeram do esporte o inimigo número um dos ambientalistas. Os cerca de 16 mil campos de golfe dos Estados Unidos utilizam 6 bilhões de litros de água por dia, segundo a Associação Americana de Golfe, e são tratados com 100 mil toneladas de nitrogênio, fósforo e potássio por ano.
Os Estados Unidos têm mais campos de golfe do que unidades do McDonald’s e também mais do que qualquer outro país, respondendo por cerca de 42% dos campos de todo o mundo, de acordo com a Fundação Nacional de Golfe.
Esse excesso de oferta, juntamente com as pressões de desenvolvimento, ocasionou mais fechamentos do que inaugurações de campos de golfe desde 2006. O regresso à natureza – ou a uma versão dela – ainda é raridade para antigos campos de golfe, a maioria dos quais acaba nas mãos de incorporadores comerciais ou residenciais, de acordo com a Fundação Nacional de Golfe. Um exemplo recente foi um antigo campo de golfe de 36 buracos em New Hampshire que a Target comprou por quase 122 milhões de dólares, em 2023, para construir um novo centro de distribuição.
Para que um campo de golfe se transforme em um espaço verde e público, é necessário alinhar um conjunto improvável de estrelas. Tem de haver um vendedor disposto e, o que é crucial, um comprador preocupado com a conservação, que possa se dar ao luxo não só de comprar o terreno, mas também de o restaurar. De acordo com Eric Bosman, urbanista da empresa de design e planejamento Kimley-Horne, 28 campos foram transformados em espaços verdes e públicos entre 2010 e outubro de 2022.
Mas o número parece estar crescendo aos poucos. Em 2023, o campo de golfe Cedar View, na margem leste do Lago Cayuga, no norte do estado de Nova York, foi comprado pelo Finger Lakes Land Trust. Outra organização sem fins lucrativos, o West Lake Art Conservation Center, planeja transformar os cerca de 900 mil metros quadrados do Lakeview Golf & Country Club, em Owasco, em uma reserva natural.
Embora a reconstituição de um campo de golfe possa desiludir os jogadores, traz grandes benefícios para animais, plantas e pessoas.
Algumas centenas de quilômetros ao sul de San Geronimo, em um trecho de terra de propriedade da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, a extensão de 250 mil metros quadrados que já abrigou o campo de golfe Ocean Meadows agora é um estuário cercado por pastagens, pântanos salgados e ilhas de sálvia costeira.
O proprietário anterior tinha pensado em vender o campo a um empresário do setor imobiliário, mas foi frustrado pela recessão de 2008, segundo Lisa Stratton, diretora de gestão de ecossistemas do Centro Cheadle para Biodiversidade e Restauração Ecológica da universidade, que administra o terreno. As pessoas da escola pediram ajuda ao Trust para Public Land, que comprou a propriedade por US$ 7 milhões em 2013 e a doou à universidade.
A restauração do terreno de Santa Barbara levou anos e foi financiada por US$ 16 milhões em doações locais, estaduais e federais. Exigiu a realocação de 270 mil metros cúbicos de terra que os desenvolvedores do campo de golfe haviam retirado de planaltos próximos e colocado sobre pântanos, para criar o campo décadas atrás. As áreas úmidas reabilitadas agora reduzem os riscos de inundações e protegem contra a subida do nível do mar, disse Stratton.
A mudança também significou que as casas próximas não estão mais em uma zona federal de inundação. Sem bolas de golfe zunindo, a terra se tornou habitat para aves limícolas migratórias, entre elas maçaricos e narcejas – e até atraiu o misterioso Botaurus lentiginosus. Estruturas rochosas subterrâneas recém-instaladas agora fornecem habitat para coelhos, esquilos e corujas.
Plantas que o governo federal classifica como ameaçadas de extinção, como a Astragalus pycnostachyus e a Chloropyron maritimum, também foram trazidas para a área, como parte de um esforço para mover algumas plantas para o norte, à medida que seus habitats naturais ficam muito quentes. Estudantes da universidade participaram do trabalho de restauração e rastrearam centenas de espécies animais.
Em Palm Springs, alguns vizinhos do antigo Mesquite Golf & Country Club resistiram aos planos de restaurar o terreno ao seu estado natural, dizendo que preferiam a vista proporcionada por um campo profissional bem cuidado de 18 buracos.
“Tínhamos uma vista muito bonita do campo de golfe até as montanhas”, disse Don Olness, que faz parte do conselho da associação de proprietários de um condomínio vizinho. Mas desde que o Oswit Land Trust comprou o campo de golfe por 9 milhões de dólares, em 2022, a área se encheu de ervas daninhas, árvores mortas e galhos caídos, disse ele. “Virou uma área mal cuidada”, disse Olness.
Citando um acordo de arrendamento com os proprietários dos campos de golfe, a associação de proprietários entrou com uma ação para interromper temporariamente quaisquer alterações feitas pelo fundo, que comprou o campo com uma doação do filantropo Brad Prescott, e o renomeou como Reserva Prescott.
Jane Garrison, fundadora e diretora executiva do fundo, disse que o processo pendente o está impedindo de acessar uma doação multimilionária necessária para restaurar adequadamente o terreno. Mas das cinco propriedades do fundo, a Reserva Prescott logo se tornou a mais popular.
O fundo removeu o veneno do depósito de manutenção do campo, além de pesticidas e armadilhas para esquilos de todo o local, disse Garrison. Ela e seus colegas encontraram coelhos e corujas mortos e um exame confirmou que um esquilo havia morrido após consumir rodenticida, o que deixa predadores como coiotes e linces suscetíveis à sarna.
“Quando você remove todo o veneno e interrompe esse ciclo, você dá a essas espécies a chance de se recuperarem”, disse Garrison.
Embora a restauração esteja apenas começando, as flores e plantas silvestres já reapareceram, disse ela. Cerca de 100 árvores nativas, entre elas salgueiros do deserto, paus-ferros e algarobas, foram doadas por um viveiro local e plantadas. O fundo decidiu manter os lagos no local, mas com água reciclada, porque as mudanças climáticas dificultam que a vida selvagem encontre água.
O grupo espera adquirir mais campos de golfe em Palm Springs, que, apesar de estar no deserto, abriga muitos campos. “Quando o terreno desaparece, é para sempre, porque eles constroem condomínios”, disse Garrison. “Mas quando você salva, ele fica salvo para sempre. E isso não tem preço”.
Fontes: Estadão, The New York Times.
Foto: Jim Wilson/The New York Times.