O turismo será duramente prejudicado e alterado pela crise do clima. Para apoiar os esforços contra a subida da temperatura média global, o setor aposta na regeneração de ambientes naturais e no corte de emissões de gases de efeito estufa. Os desafios não são pequenos.
A subida do nível do mar, tempestades mais fortes e frequentes, geleiras derretidas, mudanças bruscas de temperatura, escassez de água e a multiplicação de doenças afetam praias, montanhas, parques e inúmeros outros pontos turísticos mundiais.
“O turismo que vende e lucra com destinos no planeta todo está em risco”, ressalta José Marengo, climatologista no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Com o recorde de 11,8 milhões de visitas no ano passado, parques e outras unidades federais de conservação são vítimas da emergência climática. Mais da metade, ou 181 dessas áreas, sofreram com incêndios este ano, resume a Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação.
Pontualmente abertas ao turismo, as terras indígenas tiveram um aumento de 76% nos incêndios este ano em relação a 2023. De janeiro a agosto, torraram 3,08 milhões de ha nesses territórios, contra 1,75 milhão de ha no período anterior.
“É um turismo ameaçado pela crise climática, destruição e fogo”, reforça Márcia Hirota, presidente do Conselho da ong SOS Mata Atlântica.
O cenário toca as férias e viagens das pessoas e uma indústria que injetou R$ 752,3 bilhões na economia brasileira em 2023, ou cerca de 8% de nosso PIB (Produto Interno Bruto). O setor responde por 10% da economia mundial, diz o WTTC, sigla em Inglês do Conselho Mundial de Viagens e Turismo.
“O turismo é um motor econômico que pode transformar realidades positivamente e promover impactos positivos para o futuro”, avalia Ana Carolina Medeiros, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira dos Agentes de Viagem (ABAV).
Nessa trilha, o setor tenta multiplicar o “turismo regenerativo”, onde a atividade reverte recursos, técnicas e mão-de-obra para restaurar áreas degradadas ou desmatadas, tornando-as melhores fontes de serviços ambientais, mais favoráveis à vida selvagem e aos visitantes.
Os esforços incluem de melhorar a saúde de mangues na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim (RJ), pelas mãos de pescadores, catadores de caranguejos e outros extrativistas, a proteger unidades de conservação no sul da Bahia, ao lado de indígenas Pataxó.
“O objetivo é deixar o local melhor do que foi encontrado. Isso valoriza as áreas protegidas e ajuda a reconectar pessoas e natureza”, descreve Anna Carolina Lobo, líder de Uso Público de Áreas Protegidas da ong WWF-Brasil.
Quando envolve territórios, povos e comunidades tradicionais e indígenas, o turismo deve ganhar cores ainda mais distintas, seja regenerativo ou não. “O sonho dos turistas não pode ser maior que o das comunidades”, diz Wlademir Alves, gerente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Tangará da Serra (MT).
“Tudo deve ser definido com as comunidades. É preciso olhar para o território e não só aos atrativos”, diz Camila Rodrigues, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (OPAP).
Na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que abriga mais de 26 mil indígenas em Roraima, o turismo foi dosado para não prejudicar a natureza, as atividades e o modo de vida das populações. Os visitantes são do Brasil e de países como Japão, Suíça e Estados Unidos.
Um turismo que respeite culturas, etnias e limites da natureza ocorre em quilombos no Vale do Ribeira, do sul de São Paulo ao leste do Paraná. É o caso da comunidade de Ivaporunduva, que planta arroz, mandioca, feijão e verduras. De bananas, são 14 caminhões semanais.
A visitação regional é uma das fontes de renda, mas não pode ser massiva ou invasiva, ameaçando culturas seculares, explica Denildo Rodrigues, dirigente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
“As atividades seguem mesmo com turismo. Ele deve melhorar a renda, mas não é a atividade principal”, diz. “O turismo etnocultural deve a identidade das comunidades, construída pelo que é historicamente feito nos territórios”, explica.
Dar essas cores a um turismo massivo e superficial não é fácil, mas pode valorizar as áreas protegidas tanto quanto as praias e outros espaços bem mais frequentados, avalia Márcia Hirota, presidente do Conselho da ong SOS Mata Atlântica.
“É uma chance para que as pessoas conheçam mais culturas genuínas e promovam um empreendedorismo aliado à conservação da biodiversidade, um patrimônio de todos nós. Precisamos dessa união”, destaca a ambientalista.
Encolher emissões
O vai-e-vem turístico de carros, aviões, navios e barcos é uma potente fonte de poluentes que reforçam o efeito estufa, elevando a temperatura média global. Sobre o setor pesam 8% das emissões desses gases. O Brasil é o sexto maior poluidor, atrás de países como Estados Unidos e China.
Apesar de urgente, reduzir o peso do turismo na crise do clima é uma trilha pedregosa. “A mudança não convém para alguns setores, mas o maior risco é não fazer nada”, ressalta Samara Santos, especialista em Energias Renováveis e consultora da ong WWF-Brasil.
Enquanto isso, José Marengo (Cemaden) avalia que os roteiros turísticos mundialmente vendidos são “pouco ecológicos”, loteados de escalas e longos voos. “Isso é sustentável?”, questiona.
Para o climatologista, isso pode ser amenizado se agências, companhias aéreas e hotéis forem capacitados para passar uma “visão de sustentabilidade” aos clientes. “A percepção de que o clima está mudando tem que estar em todos os negócios”, defende.
Outras alternativas incluem usar mais biocombustíveis, sobretudo em veículos leves. A lista tem etanol e “hidrogênio verde”, produzido com fontes como eólica e solar. Adaptar a maioria das grandes aeronaves e embarcações a combustíveis menos poluentes levaria mais de uma década.
“A França proibiu os voos domésticos e promoveu o uso de trens em viagens de curta duração, com menos de 2,5 horas. Isso é competitivo para viagens de até 800 km e pode substituir mais de 7% dos assentos em viagens aéreas”, detalha a pesquisadora.
Já no Mato Grosso do Sul, o governo estadual quer “descarbonizar” o turismo. Isso exige quesitos como financiar investimentos em sustentabilidade e desenhar meios confiáveis para captar créditos de carbono, pela proteção e restauração ambiental.
“No estado, o turismo acontece em fazendas, como em Bonito, onde a atividade dá mais lucro que a criação de gado”, diz Bruno Wendling, diretor-presidente da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul. O polo de Bonito contou 313 mil turistas no ano passado.
Fonte: ((O))Eco.
Foto: Jota Freitas/Creative Commons.