As mudanças climáticas estão aumentando a frequência, a intensidade e a duração das ondas de calor em todas as regiões do mundo. E esse aumento das temperaturas extremas nas últimas décadas, resultado da atividade humana, expôs milhões de pessoas a graves riscos de saúde. É o que revelam duas novas pesquisas publicadas esta semana pela revista The Lancet.
Um dos estudos, dirigido por Katrin Burkart, professora do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, afirma que, apenas em 2019, mais de 356.000 pessoas morreram de alguma doença derivada das fortes ondas de calor. “A expectativa é que o número de pessoas com problemas de saúde por conta do calor continue aumentando à medida que as temperaturas sobem em todo o mundo”, alerta a pesquisadora.
Agora, um estudo que analisou dados de centenas de cidades brasileiras ao longo de 16 anos feito pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Monash, da Austrália avaliou os registros de saúde de 1.816 cidades brasileiras entre 2000 e 2015. No período, foram registradas mais de 2,7 milhões de internações relacionadas a problemas nesses órgãos, como pielonefrite (um tipo de inflamação), falência renal aguda e doença renal crônica.
O trabalho, recém-publicado no periódico especializado The Lancet Regional Health – Américas, sugere que 7,4% de todas essas internações, ou 202 mil casos de crise renal, podem ser atribuídas diretamente ao aumento da temperatura. A título de comparação, 202 mil pessoas equivalem aproximadamente a população inteira de cidades como Araçatuba (SP), Lauro de Freitas (BA) ou Passo Fundo (RS).
Embora o estudo seja de associação e não permita estabelecer uma relação direta de causa e efeito, os autores especulam algumas possíveis explicações para a ligação entre aumento da temperatura e mais doenças nos rins.
“De forma geral, os problemas renais podem acontecer por causa da desidratação, que está relacionada ao aumento na temperatura”, explicam os médicos Yuming Guo e Shanshan Li, professores de saúde ambiental e saúde pública da Universidade Monash e autores principais do artigo.
A mecânica é relativamente simples: no calor, o suor ajuda a manter a temperatura corporal estável. Mas a perda de líquidos pode dificultar o trabalho dos rins, que sofrem para cumprir a sua missão de filtrar o sangue e manter o equilíbrio de diversas substâncias essenciais para nossa sobrevivência. Esses órgãos, então, podem passar por crises agudas e deixam de funcionar como deveriam ou sofrem com infecções e inflamações decorrentes de todo esse desgaste.
O trabalho recém-publicado ainda observou que a saúde renal de alguns grupos acaba mais afetada pelo aumento da temperatura. Os que mais sofrem com a subida do calor são as mulheres, as crianças com menos de 4 anos e os idosos com mais de 80 anos.
Cuidar dos rins num cenário de aquecimento global exige as mais variadas ações, que vão desde atitudes simples, como se hidratar constantemente, até políticas públicas complexas.
Os cientistas Guo e Li adiantam que as cidades mais afetadas pelas mudanças climáticas precisarão criar sistemas de alarme para proteger a saúde das pessoas. “Alguns países, por exemplo, vão necessitar de uma comunicação eficiente para ensinar a população sobre os cuidados e eventualmente até criar ‘centros de resfriamento’ nas temporadas de verão”, sugerem.
Outro ponto muito importante são as mudanças em ambientes urbanos que podem segurar o avanço da temperatura. “É preciso fazer uma recomposição da cobertura vegetal das cidades, que em muitos casos viraram um deserto de lajes de concreto”, classifica.
“Nos períodos de calor, também devemos ter maior atenção com os mais vulneráveis, como crianças e idosos, se hidratar bem e usar roupas leves”, acrescenta o patologista.
Fontes: BBC, G1, Folha SP, CNN, Mongabay.