Era mais um dia de trabalho. O Sol havia acabado de se levantar. Os motores e circuitos seriam carregados e o jipinho iniciaria mais um dia de pesquisa de campo. Para acordar, ouvia-se o samba: “ô, coisinha tão bonitinha do pai! ô, coisinha tão bonitinha do pai!”. Só que o trabalhador que estava se preparando para sua jornada não era humano — e estava a mais de 50 milhões de quilômetros de nós.
Foi assim que, em 1997, o robô-móvel Sojourner foi despertado para explorar a superfície de Marte. Todas as manhãs uma música era escolhida para tocar no Planeta Vermelho. Quando teve a oportunidade, a engenheira carioca Jacqueline Lyra, integrante da equipe responsável pela missão espacial, indicou o pagode de Beth Carvalho.
A música deu uma animada no desértico planeta vizinho, cuja cor vermelha era, na Antiguidade, comparada ao sangue derramado em batalhas. Foi por isso que o astro foi batizado de Marte pelos romanos, como uma homenagem ao deus da guerra. O aspecto vermelho é resultado da grande quantidade de ferro oxidado que compõe as rochas e os regolitos da superfície marciana.
O planeta é pequeno: tem aproximadamente a metade do diâmetro da Terra e é apenas duas vezes maior que a Lua. Mas isso não diminui sua imponência, já que hoje apostamos quase todas as nossas fichas de que o futuro interplanetário pode começar por lá.
Há tempos Marte está no nosso imaginário de planeta perfeito para conter vida. Ele já foi muito explorado pela literatura e pela indústria cinematográfica, que alimentam nossa esperança de haver algum marciano por lá. Isso porque Marte é o quarto planeta mais distante do Sol e o último rochoso, compondo o chamado Sistema Solar interno. Ele está em uma zona biologicamente interessante. Mercúrio e Vênus estão demasiadamente perto do Sol — e Vênus particularmente tem uma pressão e atmosfera esterilizantes. Já Marte pode ter tido condições para vida no passado e é o planeta com ambientes menos adversos para ser explorado e colonizado nas próximas décadas.
Nós acreditamos que a vida na Terra surgiu cerca de um bilhão de anos após a sua formação, em oceanos chamados de sopas primordiais. Além disso, água é fator crucial para o desenvolvimento de vida como conhecemos. Nas décadas de 1960 e 1970, as sondas espaciais do programa Mariner identificaram em Marte regiões similares a passagem de fluxos de rios, como vales, deltas e leitos de lagos, datando 3,5 bilhões de anos.
O passado de Marte parece ter sido de oceanos e rios, porém, hoje não detectamos a presença de água líquida, apenas em estado sólido misturada com dióxido de carbono nos polos do planeta. Por ter uma atmosfera tão fina, a água possui uma grande dificuldade de se manter liquida por muito tempo. Em geral, Marte aparenta ser um planeta onde a vida como conhecemos possui poucas chances de sobreviver.
O planeta tem uma atmosfera composta majoritariamente de dióxido de carbono. Por ser pequeno, ele tem bastante dificuldade de manter as moléculas da atmosfera presas gravitacionalmente a ele, e por isso ela é mais rarefeita do que na Terra. Esse é um dos motivos também de porque o planeta possui tempestades de areia chegando a escalas globais. Os grãos de poeira podem se elevar a altitudes de 60 quilômetros e demorar meses para precipitar na superfície. Isso é um dos problemas tanto para explorações humanas futuras quanto para os jipes que estão por lá, que utilizam majoritariamente a luz solar como fonte de energia.
Falando destes robôs, o planeta é explorado por eles desde os anos 1960! Inicialmente, a missão Mariner levou sondas que tiraram diversas fotos da superfície do planeta, das luas Fobos e Deimos, e estudaram também a atmosfera. O primeiro contato em solo aconteceu em 1975, com as Vikings 1 e 2. Entre seus objetivos, os instrumentos transmitiram imagens da superfície e analisaram o solo em busca de sinais químicos de vida.
Desde a década de 1990, a Nasa tem lançado jipes cada vez mais complexos para o planeta, como Sojourner, Opportunity, Curiosity e o atual Perseverance que chegou lá em 2020. Os robozinhos são preparados para caminhar pelo solo marciano e conduzir experimentos sobre a atmosfera, a composição das rochas e, como as missões Vikings, a composição química para achar indícios de vida.
Os jipes são desenhados para não se meterem em enrascadas, mas Marte tem terrenos bem peculiares. Por exemplo, no passado, a atividade vulcânica lá era intensa, o que gerou os maiores vulcões do Sistema Solar. O Monte Olimpo possui uma elevação de 22,5 quilômetros, três vezes maior do que o Everest. Além disso, possui uma base com 600 quilômetros de diâmetro, o que é similar a área do estado do Rio Grande do Sul.
Outra aberração na superfície marciana é o Valles Marianes, um grande cânion que percorre aproximadamente 4 mil quilômetros da superfície do planeta. Essa distância é similar à distância do Oiapoque ao Chuí. A possível origem dessa formação seria o rompimento de duas placas tectônicas no passado remoto do planeta.
Marte, planeta de tom enferrujado, é encantador e desperta nossa curiosidade. Quem sabe um dia nós mesmos conseguiremos tocar o sucesso de Beth Carvalho lá? Porém, como vimos, as condições de habitabilidade não são favoráveis. No fim, não podemos esquecer que precisamos olhar e consertar o nosso planeta quando falamos de um futuro para a humanidade. Não existe planeta B.
Fonte: Revista Galileu.
Foto: Kevin Gill/Wikimedia Commons.