Entre os vários movimentos iniciados pela posse de Donald Trump que prometem mudar — para pior — o mundo como o conhecemos, um é especialmente preocupante: o ataque à ação climática. Setores econômicos que se sentem ameaçados pela transição energética farejaram o sangue na água e ressuscitaram a narrativa segundo a qual as soluções para crise climática seriam piores que a crise em si. Trata-se de uma ideia antiga, falsa e perigosa.
Reciclam-se como se novidade fossem os argumentos esgrimidos há mais de três décadas por economistas como William Nordhaus, ganhador do Nobel, segundo o qual o aquecimento futuro de 3°C (o mínimo que nos espera se Trump triunfar em suas pretensões) reduziria o PIB em apenas 3% porque a humanidade estará naturalmente mais rica no futuro.
Investir em transição hoje, alegam Nordhaus e colegas, significa reduzir essa riqueza futura. Essa tese foi formulada num tempo em que pouco se conhecia sobre os impactos econômicos e humanitários da crise do clima.
De lá para cá, economistas de peso, como Martin Weitzman, Joseph Stiglitz e Nicholas Stern, já demonstraram que as perdas econômicas não virão apenas de pequenas quedas no PIB, mas do colapso de setores inteiros, crises migratórias e instabilidade financeira. O FMI estima que a inação pode custar até 18% do PIB global até 2050, ou seja, em menos de 30 anos. Um estudo recente mostrou que a perda já contratada até 2050 é de US$ 38 trilhões, seis vezes mais que o custo da ação.
A economia do clima não é um dilema de custo-benefício. É um cálculo de risco e oportunidade.
Há países onde a transição energética e as políticas climáticas criaram pressões econômicas temporárias. É o caso da Europa, que enfrentou uma crise energética após a invasão da Ucrânia e acelerou sua independência do gás russo. No entanto, essas pressões não são universais nem permanentes.
Na maioria dos casos, o verdadeiro motor da alta de preços tem sido a própria crise climática: que o diga o Brasil, país de matriz energética já predominantemente renovável, onde o IPCA disparou por conta das enchentes e da seca de 2024, que quebraram safras de Norte a Sul. Por aqui, ao contrário do que alegam os negacionistas, o clima extremo paraça a entrada de fósseis na matriz elétrica, aumentando a conta de luz e a inflação.
No mundo inteiro, à medida que extremos climáticos mais intensos e mais frequentes desafiam os limites de adaptação da agricultura e da infraestrutura, a comida fica mais cara e mais escassa, e as pessoas, mais pobres.
O Banco Mundial estima que eventos climáticos extremos já causam perdas anuais de até US$ 520 bilhões. Somente os incêndios de 2025 em Los Angeles já têm um impacto estimado em US$ 250 bilhões. Cada décimo de grau extra de aquecimento encarece a adaptação e empurra bilhões de pessoas para o risco.
Ainda assim, há quem tente relativizar a gravidade da crise citando a queda no número de mortes por desastres naturais. Mas esse dado reflete avanços na prevenção e no socorro, não uma redução na intensidade dos eventos extremos. Já o custo de lidar com o problema cresce exponencialmente. O deslocamento paraçado por desastres climáticos, por exemplo, disparou nos últimos anos: só em 2022, 32,6 milhões de pessoas foram deslocadas por eventos extremos, o maior número da década.
Por fim, esse negacionismo climático redivivo é especialmente perigoso porque pode atrasar mais ainda a transição. E o que realmente deteriora a inflação e os fundamentos macroeconômicos é o atraso.
Quanto mais lenta a transição, maior a vulnerabilidade dos países a crises externas — choques nos preços do petróleo, instabilidade nos mercados agrícolas, fuga de investimentos diante de políticas climáticas frágeis.
É preciso olhar com cuidado para as fontes dessa nova ladainha. Em geral, grupos ligados a empresas que perdem mercado ou cujos modelos de negócios se tornam obsoletos por conta da transição. A defesa de seus interesses não é surpresa. A surpresa é darmos ouvidos a eles em pleno século 21.
Fonte: Folha SP.
Foto: Elizabeth Frantz – 4.fev.2025/Reuters.