2023 registrou recordes de temperatura em todo o mundo. Pessoas de diferentes regiões do planeta já enfrentam ondas de calor históricas, incêndios florestais e secas com apenas 1,1°C de aquecimento em relação aos níveis pré-industriais. Com as políticas atuais, que colocam o mundo a caminho de um cenário de 2,5°C a 2,9°C de aquecimento até 2100, o calor sufocante que sentimos este ano é apenas uma pequena amostra do futuro que temos pela frente.
De acordo com o IPCC, níveis potencialmente fatais de calor e umidade devem afetar de 50% a 75% da população mundial até 2100. As cidades – que atualmente já abrigam mais de metade da população do planeta e devem aumentar esse contingente em 2,5 bilhões de pessoas até 2050 – estarão expostas ao dobro do nível de estresse térmico em comparação às áreas rurais no entorno.
Sobrepondo a localização das cidades aos modelos do IPCC para gerar dados mais específicos, começamos a ter um panorama mais claro de por que é tão importante manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C, a meta estabelecida pelo Acordo de Paris.
Observamos um indicador relacionado ao calor extremo: o número de dias por ano em que a temperatura máxima ultrapassa os 35°C. Esse nível de calor está associado a uma série de efeitos graves para a saúde, além do estresse causado em termos de economia e infraestrutura. O IPCC afirma que o calor extremo nas áreas urbanas vai aumentar os níveis de mortalidade e doenças cardíacas, principalmente entre crianças e idosos; prejudicar a concentração e a cognição, afetando o aprendizado e a educação das crianças, em especial na África e no Sul da Ásia; e reduzir a capacidade de trabalho durante os horários mais quentes em 20% ou mais até 2050 – mais do que os 10% já registrados atualmente. Apenas nos Estados Unidos, o calor extremo já representa um custo de US$ 100 bilhões por ano – e deve chegar a US$ 500 bilhões até 2050.
O Acordo de Paris, assinado em 2015, tem como objetivo limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC. Mas centenas dos principais cientistas climáticos do mundo acreditam que as temperaturas globais irão subir para pelo menos 2,5°C acima dos níveis pré-industriais neste século, causando consequências catastróficas para a humanidade e o planeta, de acordo com uma pesquisa exclusiva realizada pelo The Guardian.
“Penso que estamos caminhando para uma grande perturbação social nos próximos cinco anos”, disse Gretta Pecl, da Universidade da Tasmânia, ao jornal britânico. “[As autoridades] ficarão sobrecarregadas com evento extremo após evento extremo, a produção de alimentos será interrompida. Eu não poderia sentir maior desespero em relação ao futuro.”
Um grupo menor de cientistas espera uma situação ainda pior, com um aumento de pelo menos 3°C. Mas, numa situação como essa, o que aconteceria? Muitos dos consultados pelo The Guardian, todos participantes de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) desde 2018, preveem um futuro “semi-distópico”, com fome, conflitos e migrações em massa, impulsionados por ondas de calor, incêndios florestais, inundações e tempestades com uma intensidade e frequência muito superiores às que já ocorreram.
Confira a seguir o que pode acontecer conforme o planeta aquece:
– 2ºC: a onda brutal de calor que atingiu o noroeste do Pacífico em 2021 seria 100-200 vezes mais provável. O aumento dos danos diretos causados pelas inundações em todo o mundo duplicaria.
– 2,7ºC: dois bilhões de pessoas seriam empurradas para fora do “nicho climático da humanidade”, ou seja, das condições benignas em que toda a civilização surgiu ao longo dos últimos 100 mil anos.
– 3ºC: cidades como Xangai (China), Rio de Janeiro (Brasil), Miami (Estados Unidos) e Haia (Holanda) ficariam submersas.
– Acima de 3ºC: o impacto dos choques climáticos em um determinado local irá se propagar em cascata por todo o mundo, através de aumentos nos preços dos alimentos, escassez de comida e água, cadeias de abastecimento quebradas e milhões de refugiados.
Desistir não é uma opção
Apesar de 80% dos cientistas entrevistados pelo The Guardian acreditarem que o Acordo de Paris não será cumprido, eles deixaram claro que desistir não é uma opção e que 1,5ºC não é um precipício que conduz a uma mudança significativa nos danos climáticos. Em vez disso, a crise climática aumenta gradualmente.
“As mudanças climáticas não se tornarão subitamente perigosas a 1,5ºC – já o são – e não será o ‘fim do jogo’ se ultrapassarmos os 2ºC, o que podemos muito bem fazer”, comentou o professor Peter Cox, da Universidade de Exeter, do Reino Unido.
Henri Waisman, do instituto de investigação política IDDRI, da França, completou: “As mudanças climáticas não são uma questão de preto ou branco e cada décimo de grau é muito importante, especialmente quando se olha para os impactos socioeconômicos. Isso significa que ainda é útil continuar a luta.”
Fontyes: WRI, Um Só Planeta.
Foto: WRI/Divulgação.