Relatório aponta propriedades rurais que receberam verba de bancos na Amazônia

Nos últimos cinco anos, a Amazônia perdeu 54,6 mil km2 em território brasileiro, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O ritmo de aumento da devastação foi interrompido no primeiro ano do governo Lula.

Bancos operam crédito rural para atividades como compra e manutenção de animais, formação de pastagem, extração de madeira e aquisição de máquinas e equipamentos. O dinheiro com juros subsidiados acaba bancando o desmatamento de áreas preservadas de amazônia, inclusive em unidades de conservação, terras indígenas e florestas não destinadas, aponta o Greenpeace.

De 2018 a 2022, R$ 43 milhões em crédito rural foram destinados a 12 propriedades envolvidas com irregularidades socioambientais na Amazônia. Isso é o que aponta o relatório Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento, da ONG Greenpeace, divulgado nesta segunda-feira (8). O documento analisou o financiamento de propriedades envolvidas em atividades como desmatamento, grilagem e criação de gado em áreas protegidas, além de violações aos direitos humanos.

O levantamento do Greenpeace considera como irregularidades o descumprimento do Manual de Crédito Rural (MCR) e questões mais amplas, como ir contra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) e a Constituição, que não prevê a ocorrência de propriedades dentro de Terras Indígenas (TI), conforme o artigo 231.

O crédito rural é operado tanto por bancos públicos quanto privados nacionais e internacionais, sob autorização do Banco Central do Brasil. Destinada a produtores rurais, essa política é, em partes, subsidiada pelo governo para oferecer juros mais baixos e prazos maiores aos seus beneficiários e tem como objetivo incentivar a agricultura e reduzir seu impacto ambiental.

A ONG afirma também que a concessão de crédito sem critérios alimenta a grilagem de terras, especialmente em áreas de floresta onde ainda não houve uma destinação por parte da União, como a criação de uma unidade de conservação ou de um assentamento agroextrativista

O relatório destaca que, de acordo com o MCR, o impedimento à concessão de crédito ocorre somente em casos de imóveis embargados — o que reflete uma “lacuna” nas regras atuais para a política de crédito que permite que o grileiros e desmatadores sejam financiados, segundo a ONG.

Apesar disso, o Greenpeace ainda aponta a existência de 798 imóveis embargados pelo Ibama que receberam o crédito rural. Mesmo após embargo, o proprietário da Fazenda Cachoeira Dourada, localizada em Novo Repartimento (PA), firmou, em 2019, dois contratos de financiamento de R$ 885 mil com o Banco da Amazônia para compra de gado e custeio da criação de bovinos. Sua fazenda, porém, havia sido multada em 2016 por desmatamento ilegal.

Além das 12 propriedades analisadas, receberam crédito rural 10.074 propriedades com sobreposição a unidades de conservação; 24 propriedades sobrepostas a terras indígenas; 21.692 imóveis com sobreposição a florestas públicas não destinadas; e 29.502 propriedades com desmatamento no bioma amazônico.

Desses casos, os alertas recaem principalmente sobre 41 imóveis encontrados em áreas de proteção integral, onde não deve haver qualquer atividade econômica, e aqueles em terras indígenas.

Sistema financeiro

Para Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace, é preciso que os reguladores de todas as formas de financiamento do agronegócio ajam para melhorar a destinação de recursos. “Começamos pelo crédito rural porque enxergamos que, lá atrás, colocar a restrição de crédito para quem tinha embargo já teve um resultado expressivo na redução do desmatamento”, comentou Mazzetti em coletiva de imprensa virtual nesta terça-feira (9).

No Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), do governo federal, lançado para o período de 2023 a 2027, está prevista a revisão de regras do Manual de Crédito Rural de modo a vetar crédito para produtores “com irregularidades ambientais e fundiárias.”

Em 2008, a Resolução 3.545 impôs regras para a concessão de crédito rural a atividades agropecuárias nos municípios do bioma amazônico. A medida fez com que, até 2011, R$ 2,9 bilhões não fossem destinados a propriedades com irregularidades e impediu que mais de 2.700 km² de área florestal fossem desmatados.

“É preciso colocar em prática, por exemplo, a exigência de monitoramento contínuo das propriedades financiadas e a verificação da legalidade do desmatamento se esse para identificado no imóvel rural, vide que apenas uma pequena porcentagem do desmatamento ilegal é embargada”, afirma Mazzetti, em comunicado.

Por meio do somatório dos contratos de crédito rural presentes no Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor), a pesquisa aponta os dez principais operadores de crédito rural nos territórios da Amazônia Legal em 2022: Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Bradesco, Banco John Deere, Santander, Sicredi, Sicoob e Itaú. “Estamos falando de um problema sistêmico, no qual todos os bancos e seus reguladores têm um papel”, disse Mazzetti na coletiva.

Para ela, é importante que as lacunas apontadas pelo relatório provoquem ações. “O objetivo é que tanto os bancos quanto os reguladores deem passos para, de fato, fechar essas questões que ainda permitem que um recurso que tem participação de fontes do orçamento público, do dinheiro dos correntistas, e que é um instrumento importante da política agrícola brasileira não esteja de nenhuma maneira relacionado a irregularidades socioambientais.”

Uma resolução de 2023 do CMN (Conselho Monetário Nacional) ampliou restrições para concessão do crédito rural, com impedimento de empréstimos a imóveis com inscrição cancelada ou suspensa no CAR; com sobreposição a unidades de conservação, terras indígenas e florestas públicas não destinadas; e com áreas embargadas.

“Recomendamos que os bancos revisem todas as operações de crédito concedidas antes da resolução e que ainda estão vigentes”, diz o Greenpeace.

Fontes: Revista Galileu, Folha SP.

Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace Brasil/Divulgação.