Sem regras federais de fiscalização, pilhas de rejeito de mineração substituem barragens e avançam pelo país

O empilhamento de rejeitos sólidos vem ganhando espaço como alternativa às barragens na mineração brasileira. Após os rompimentos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que juntos deixaram quase 300 mortos, mineradoras passaram a adotar as pilhas como solução com menor potencial destrutivo. No entanto, a ausência de regulamentação federal tem levantado preocupações entre especialistas e autoridades.

A previsão do governo federal é que normas específicas para esse tipo de estrutura só estejam em vigor a partir de 2026. Enquanto isso, episódios de deslizamento se repetem. Em dezembro de 2024, uma pilha de 80 metros da mineradora Jaguar Mining cedeu em Conceição do Pará (MG), atingindo casas e obrigando mais de 250 pessoas a deixarem o povoado de Casquilho de Cima.

Crescimento acelerado, pouca fiscalização

Desde a proibição das barragens do tipo a montante em 2019, as pilhas passaram a concentrar a maior parte dos rejeitos. Na Vale, 70% do material é empilhado a seco – número que era de apenas 40% em 2014. A Samarco, por sua vez, afirma filtrar e empilhar 80% dos resíduos que gera desde 2020.

Apesar do avanço, não há exigência legal de cadastro específico, cronograma de vistorias nem equipe dedicada à fiscalização dessas estruturas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). “Isso faz com que a probabilidade de rompimento de uma pilha, hoje, seja maior do que a de uma barragem, que já tem regulamentações e critérios de licenciamento mais rigorosos”, afirmou o engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais.

Segundo relatório da ANM, 180 barragens foram vistoriadas em 2024. No entanto, o número de pilhas inspecionadas permanece indefinido. Ao todo, o Brasil conta com mais de 3 mil pilhas de rejeitos, estéreis ou mistas, segundo dados do setor.

Entenda a diferença entre barragens, pilhas de rejeito e pilhas de estéril

Embora tenham menor potencial de dano, ainda não há regulamentação federal e protocolo de fiscalização, o que também torna as pilhas de rejeitos um risco, segundo especialistas. O governo federal prevê definir regras para a prática até 2026.

Mais pilhas do que barragens

Desde 2019, as barragens do tipo a montante — estruturas nas quais os rejeitos da mineração são depositados em camadas sucessivas — são proibidas no Brasil, por que estão mais suscetíveis a acidentes.

A mudança na legislação ocorreu após os rompimentos em Mariana e Brumadinho. A partir de então, a disposição dos resíduos em pilhas passou a dominar o setor de mineração, de acordo com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais.

As pilhas são como montanhas de lixo da mineração, formadas pelo material sem valor econômico que resta após a lavagem do minério e a drenagem da água. Já nas barragens, o rejeito é armazenado com água, formando uma espécie de lama. Há, ainda, as pilhas de estéril, formadas principalmente pela areia retirada do solo até se chegar ao minério.

De acordo com especialistas ouvidos pelo g1, algumas pilhas que foram licenciadas — ou que estão em processo de licenciamento no Brasil — poderão alcançar mais de 200 metros de altura, o que eles consideram um grande risco, principalmente porque essas estruturas não são regulamentadas ou monitoradas como as barragens passaram a ser depois das tragédias em Minas Gerais.

De acordo com o engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do Ibama de MG o material seco que é depositado nas pilhas tende a se acomodar mais rapidamente e alcança uma área menor do que a lama, em caso de rompimento. Por isso, o potencial de dano é menor. No entanto, a falta de fiscalização e de transparência quanto aos cálculos que definem as dimensões das pilhas preocupam.

“Isso faz com que a probabilidade de rompimento de uma pilha, hoje, seja maior do que a de uma barragem, que já tem regulamentações e critérios de licenciamento mais rigorosos”, disse o engenheiro.

Na Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão do governo federal responsável pela gestão de mineradoras, o assunto só entrou na agenda regulatória para o biênio de 2025 e 2026, o que significa que a pauta só vai começar a ser discutida neste ano.

Deslizamentos e riscos climáticos

Desde 2018, ao menos quatro deslizamentos de pilhas foram registrados. Além do caso em Conceição do Pará, houve ocorrências em Godofredo Viana (MA) e Santa Bárbara (MG). O engenheiro Euler Cruz, presidente do Fórum Permanente São Francisco, alerta que as pilhas atuais não estão dimensionadas para enfrentar os volumes de chuva causados pelas mudanças climáticas. “Os sistemas de drenagem são projetados com dados pluviométricos de 40 ou 50 anos atrás”, diz.

As pilhas, geralmente formadas por material seco resultante da separação do minério e da água, não têm o mesmo potencial destrutivo das barragens. No entanto, se mal projetadas ou não monitoradas, podem ceder com maior facilidade diante de eventos climáticos extremos. A estrutura que deslizou em MG tinha 80 metros de altura — mais do que o dobro do Cristo Redentor — e movimentou cerca de 640 milhões de litros de material.

Para o procurador Carlos Bruno Ferreira, do Ministério Público Federal em MG, o vácuo regulatório também interessa às empresas. “A partir do momento que o minerador não tem obrigações para cumprir, que pode deixar a pilha sem equipamentos que verifiquem a solidez da estrutura, sem o equipamento de vídeo e sem uma equipe de segurança, como eu verifiquei no caso da Jaguar Mining, se torna mais simples colocar os rejeitos em forma de pilha”, afirmou.

No Congresso, tramita um projeto de lei da deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) que busca estabelecer parâmetros técnicos e de segurança para as pilhas. A proposta está em análise na Comissão de Meio Ambiente da Câmara desde novembro de 2024.

Enquanto isso, o setor se baseia em normas técnicas voluntárias elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), sem paraça de lei. “O projeto deve incluir plano de monitoramento, estudos de risco e plano de ação de emergência. Elas existem desde a década de 1990 e são periodicamente revisadas”, afirmou Júlio Nery, diretor da entidade.

O engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do Ibama de MG, no entanto, é taxativo ao apontar os caminhos para evitar novos acidentes: “É preciso aplicar o princípio da precaução e da prevenção. As mineradoras têm que comprovar de forma transparente que a pilha a ser licenciada é sustentável a longo prazo.

Para evitar novos e mais graves acidentes, Grillo aponta três caminhos:

– O processo de licenciamento não pode ser baseado em autodeclarações;

– Qualquer empreendimento minerário tem que estar comprovadamente adequado aos eventos extremos de chuva;

– É preciso aplicar o princípio da precaução e da prevenção. As mineradoras têm que comprovar de forma transparente que a pilha a ser licenciada é sustentável a longo prazo.

Fontes: g1, Minera Brasil (Agência de Notícias da Mineração Brasileira)

Foto: Roberto Eleotério/ TV Integração.

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