Variação da temperatura do Oceano Índico pode gerar novos surtos de dengue

Até o começo de maio, o Brasil registrou 4,5 milhões de casos prováveis de dengue e 2.336 mortes em razão da doença. Prever novas epidemias da virose é um desejo de líderes de diversas nações ao redor do mundo que sofrem com o problema. Agora, uma colaboração internacional de cientistas descobriu que o aquecimento do Oceano Índico pode servir como indicativo para novas crises relacionadas à dengue.

O estudo, publicado, na penúltima quinta-feira (9) na revista Science, aponta que as anomalias de temperatura na superfície do mar no Oceano Índico podem prever a magnitude das epidemias globais de dengue, oferecendo uma oportunidade para previsão e planejamento de respostas aos surtos. A doença afeta uma parcela significativa da população mundial.

Os sistemas de alerta precoce para dengue atualmente em uso se baseiam em indicadores climáticos, como precipitação e temperatura, para prever padrões da doença. No entanto, os efeitos de fatores climáticos de longa distância nos surtos de dengue ainda são pouco compreendidos. Usando modelos climáticos e dados de casos de dengue em 46 países do Sudeste Asiático e das Américas, os cientistas, liderados pela Universidade Normal de Pequim, na China, investigaram as associações entre padrões climáticos globais e a magnitude sazonal e interanual das epidemias.

Os resultados revelaram que o Índice de Bacia do Oceano Índico (IOBW), uma média das anomalias de temperatura na superfície do mar no Oceano Índico tropical, está fortemente ligado às epidemias de dengue nos hemisférios Norte e Sul. Conforme as descobertas, o IOBW nos três meses anteriores à temporada de dengue desempenha um papel crucial na previsão da magnitude da doença e no momento dos surtos anuais em cada hemisfério.

Segundo a equipe, a capacidade do IOBW de prever a incidência de dengue vem do seu impacto nas temperaturas regionais. Embora os cientistas sugiram que o IOBW facilite um planejamento mais eficaz para a resposta a epidemias, os autores destacam a necessidade de avaliações adicionais da tecnologia. “Embora nosso modelo demonstre sua capacidade de capturar padrões observados, seria precipitado fazer afirmações definitivas sobre sua capacidade preditiva sem uma validação rigorosa de dados futuros”, ressaltaram os estudiosos, em nota.

A dengue já era um tema de interesse dos pesquisadores que assinam o estudo, afirma Huaiyu Tian, do Centro para Mudança Global e Saúde Pública da Universidade Normal de Pequim e um dos autores do artigo. “Dada a falta de vacinas amplamente eficazes e tratamentos para a dengue, enfatizamos particularmente a modelagem e pesquisas de previsão”, afirma o pesquisador à Folha.

O artigo compreendeu os números de casos anuais de dengue de 1990 a 2019 dos 46 países do Sudeste Asiático e do continente americano. Outro banco de dados foi um que contou com informações de 24 países, incluindo o Brasil, acerca do número mensal de casos de dengue entre 2014 a 2019.

Essas informações foram comparadas com índices que compilam as temperaturas nos mares. Com isso, o esperado era observar se haveria alguma relação entre o aumento dessas temperaturas e o aparecimento de mais casos de dengue – e foi isso que aconteceu, especificamente com o IOBW, sigla para índice do aumento da temperatura do oceano Índico.

Por exemplo, na medida em que as águas do oceano ficavam mais quentes, os casos de dengue também subiam: a incidência da doença saltava de 0 para 0,22 a cada 100 mil habitantes no hemisfério norte, enquanto passava de 0 para 0,27 no hemisfério sul.

Outras pesquisas já investigaram a associação entre a dengue e temperaturas mais altas. No entanto, Tian explica que, normalmente, esses estudos focaram em modelos que medissem somente o impacto das temperaturas locais em relação à doença. No estudo em questão, os pesquisadores analisaram modelos mais abrangentes, mensurando alterações globais com potencial de impactar a temperatura local de diferentes regiões do planeta.

Nesse caso, o oceano Índico é uma escolha adequada, já que as alterações climáticas nas águas influenciam a atmosfera, que, em razão do padrão de circulação do ar, faz com que as mudanças de temperatura do oceano cheguem a outras regiões.

“Temperaturas mais altas no oceano Índico podem ter impactos globais e duradouros nas dinâmicas climáticas locais, promovendo condições ideais para a reprodução e propagação de mosquitos da dengue”, explica Tian.

Existem duas razões para a preferência a um modelo global. Primeiro, é mais fácil e eficaz desenvolver um sistema de alerta a nível mundial contra a dengue. Segundo, a utilização de dados somente regionais diminui a capacidade preditiva de novas epidemias de dengue, o que dificulta ações que antecipam, de forma eficaz, o aumento de casos de dengue no momento em que as temperaturas das águas sobem.

No caso do IOBW, por exemplo, foi possível desenvolver modelos de previsão com até nove meses de antecedência modelos com dados locais diminuem esse período para até três meses.

Regiões tropicais em alerta

A análise observou que a relação entre a temperatura do oceano Índico com o aparecimento de mais casos de dengue é mais evidente nas regiões tropicais do globo, como é o caso do Brasil. O ponto acende um sinal de alerta maior para essas áreas.

Outro problema é o aquecimento global. Quanto mais as temperaturas sobem ao redor do mundo, mais fácil se torna a propagação do vírus, proporcionando um cenário ideal e fácil para o surgimento de novas epidemias.

Por isso, os achados da pesquisa podem ser ainda mais interessantes considerando estratégias de combate à dengue. “Ao aproveitar as conclusões do estudo a nível local, as autoridades de saúde podem antecipar e responder melhor a potenciais surtos, implementando intervenções como medidas de controle de vetores, campanhas de saúde pública e alocação de recursos para mitigar o impacto da doença nas comunidades”, resume Tian.

No entanto, também é preciso aprofundar as descobertas do estudo. No artigo, os autores apontam que ainda é necessário validar as conclusões da pesquisa para, só então, ter uma maior certeza da sua capacidade preditiva. A adição de outros fatores que influenciam surtos de dengue, como vacinação e medidas de controle dos vetores da doença, precisam entrar nos cálculos do modelo, por exemplo.

Fonte: Revista Galileu, Folha SP, Correio Brazilience.

Foto: Patrick Hertzog/AFP.