A série Doctor Who, sem dúvida, é uma das histórias mais famosas sobre viagens no tempo.
Ao lado de A Máquina do Tempo, de H. G. Wells, e da trilogia De Volta para o Futuro, Doctor Who — que completa 60 anos em 2023 — explora as tentações e os paradoxos de visitar o passado e se aventurar no futuro.
E no mundo real? Será que, algum dia, conseguiremos construir uma máquina do tempo e viajar para o passado distante, ou ver nossos tatatatatatatataranetos no futuro?
Para responder a esta pergunta, é preciso compreender como realmente funciona o tempo — algo que os físicos estão longe de conhecer com certeza.
A velocidade do tempo
O que podemos afirmar com convicção no momento é que viajar para o futuro é possível, mas voltar ao passado pode ser extremamente difícil, ou absolutamente impossível.
Vamos começar com a teoria da relatividade de Albert Einstein (1879-1955). Ela descreve o que é o espaço, o tempo, a massa e a gravidade.
Uma conclusão fundamental da teoria da relatividade é que o fluxo de tempo não é constante. O tempo pode acelerar ou andar mais lentamente, dependendo das circunstâncias.
“É aqui que pode entrar a viagem no tempo, ela é cientificamente precisa e existem repercussões no mundo real”, afirma a astrofísica Emma Osborne, da Universidade de York, no Reino Unido.
O tempo passa mais devagar, por exemplo, se você viajar em alta velocidade — embora seja preciso chegar perto da velocidade da luz para observar efeitos significativos.
“Se você viajar e voltar, você realmente será mais jovem que o seu irmão gêmeo”, segundo o físico quântico Vlatko Vedral, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Tal fenômeno gera o paradoxo dos gêmeos, em que um de dois gêmeos idênticos se torna astronauta e sai em disparada pelo espaço, perto da velocidade da luz. Enquanto isso, o outro irmão permanece em terra firme.
O resultado é que o astronauta irá envelhecer mais lentamente do que o irmão gêmeo que mora na Terra.
” Os gêmeos Scott e Mark Kelly viveram esta experiência entre 2015 e 2016, quando Scott passou meses no espaço, mesmo não tendo atingido velocidades próximas à da luz.
Teoria da relatividade de Albert Einstein afirma que é possível comprimir tempo viajando com rapidez suficiente em relação às outras pessoas
No nosso dia a dia, esses efeitos da teoria da relatividade são pequenos demais para podermos observá-los. Mas eles afetam os satélites que usamos para nos orientar pelo GPS, o sistema de posicionamento global.
“Os relógios no céu andam mais rápido que os relógios na Terra” e precisam ser constantemente acertados, segundo Osborne.
“Se não acertássemos, o Google Maps apresentaria erros de cerca de 10 km por dia.”
E quanto ao passado?
A teoria da relatividade indica que é possível viajar para o futuro. E, na verdade, não precisamos nem mesmo de uma máquina do tempo.
Precisamos “apenas” viajar em velocidades próximas à da luz ou passar algum tempo em um intenso campo gravitacional.
Na teoria da relatividade, essas duas ações são essencialmente equivalentes. Das duas formas, você irá atravessar um período de tempo subjetivo relativamente pequeno, enquanto décadas ou séculos se passam no restante do Universo.
Portanto, se você quiser observar o que irá acontecer daqui a centenas de anos, aqui está a receita.
Mas visitar o passado parece extremamente mais difícil.
“Pode ser possível ou não”, segundo o físico teórico Barak Shoshany, da Universidade Brock em St. Catharines, no Canadá.
“No momento, os conhecimentos que temos são simplesmente insuficientes, possivelmente teorias insuficientes.”
A relatividade oferece algumas opções para viagens para trás no tempo, mas elas são muito mais teóricas.
“Mesmo se tivéssemos poderes tecnológicos muito maiores do que temos atualmente, parece improvável que conseguíssemos criar curvas de tempo fechado de propósito”, afirma a filósofa Emily Adlam, da Universidade Chapman na Califórnia (Estados Unidos).
Cordas cósmicas e buracos de minhoca
Em um estudo de 1991, o físico americano Richard Gott apresentou uma descrição matemática de um cenário similar. Nele, duas “cordas cósmicas” se moviam uma atrás da outra, em direções opostas. Segundo seus cálculos, isso criaria curvas de tempo fechado em torno das cordas.
Parece uma solução viável, mas onde podemos encontrar um par de cordas cósmicas?
Elas são fenômenos hipotéticos que podem ter se formado logo no início do Universo, segundo algumas teorias. Mas, até agora, nenhuma foi encontrada.
“Não temos razões para acreditar que as cordas cósmicas existam”, segundo Mack.
Mas a teoria da relatividade oferece outra possibilidade: os buracos de minhoca.
Teoricamente, é possível dobrar o espaço-tempo como se fosse uma folha de papel. Poderíamos, então, perfurar um túnel através do espaço-tempo para criar um atalho entre duas partes separadas por longa distância.
“Os buracos de minhoca, teoricamente, são possíveis na relatividade geral”, segundo Vedral.
As lições e as dúvidas da física quântica
Até aqui, falamos sobre as viagens no tempo com base na relatividade. E quanto à outra grande teoria do Universo, a mecânica quântica?
Enquanto a relatividade descreve o comportamento de grandes objetos, como seres humanos e galáxias, a mecânica quântica descreve o muito pequeno — particularmente, partículas menores que os átomos, como elétrons e fótons. E, nessas escalas muito pequenas, as formas de operação da física confundem a nossa intuição.
Uma das observações curiosas que surgiram da teoria quântica é a não localidade. Uma alteração no estado de uma partícula em um local pode influenciar instantaneamente outra partícula “entrelaçada” em outro lugar. Einstein chamou este fenômeno de “ação fantasmagórica à distância”.
Tal fenômeno já foi “demonstrado experimentalmente várias vezes” em pesquisas vencedoras do Prêmio Nobel, segundo Emily Adlam.
“Em vez de ter um efeito não local instantâneo, você simplesmente enviaria o seu efeito para o futuro e, em algum ponto, ele daria meia-volta e retornaria para o passado”, explica Adlam.
“Pareceria algo instantâneo.” Mas, na verdade, o efeito teria viajado para o futuro e voltado.
Esta interpretação parece introduzir a “retrocausalidade” — ou seja, eventos futuros causando efeitos no passado.
É uma explicação que contraria a nossa intuição. Nós imaginamos que os eventos acontecem em linha reta, do passado até o presente e então para o futuro.
A única lacuna restante é o fato de que estamos nos baseando em teorias incompletas. A relatividade e a mecânica quântica funcionam muito bem para certos aspectos do Universo, mas elas não são compatíveis entre si.
Ou seja, precisamos de uma teoria mais profunda que unifique as duas, que ainda não foi desenvolvida, mesmo depois de décadas de esforços.
“Enquanto não tivermos essa teoria, não podemos ter certeza”, afirma Barak Shoshany.
E é claro que existem outras formas de analisar esta questão. No tempo necessário para ler esta reportagem, por exemplo, você já viajou cerca de sete minutos. Por isso, seja bem-vindo ao futuro!
Fonte: BBC News.
Imagem: Divulgação.