A instalação de painéis solares fotovoltaicos (PSPVs) em telhados de ambientes urbanos e rurais é uma importante modalidade de produção de energia renovável, apesar de ainda apresentar sérios desafios. Com mais pesquisa científica e tecnológica, regramentos e subsídios, esta pode se tornar a mais sustentável e socialmente justa forma de se alcançar a transição para zero carbono no Brasil.
Em imóveis de áreas urbanas – casas, comércios e indústrias – a instalação de placas solares pode reduzir a implantação de parques solares e eólicos, que demandam grandes extensões de terra, deslocam populações e destroem habitats. O modelo de grandes projetos empresariais eólicos e solares, além de criar grupos de pressão política, provocam conflitos sociais e impactos ambientais.
O problema não são as novas energias, mas como minimizar seus impactos. É substituir um problema por outro.
Os parques eólicos, por exemplo, são geralmente construídos em áreas ecologicamente sensíveis como os litorais, cumes de montanhas e planícies abertas. Além do desmatamento, transmitir esta energia para centros urbanos ou para as redes de transmissão já existentes demanda a implantação de novas linhas de energia, avançando em áreas de natureza intocadas.
O risco de desertificação em áreas semiáridas, como o bioma Caatinga, já agravado em consequência das mudanças climáticas, é aumentado pela chegada de empreendimentos renováveis de sol e vento. De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), divulgado pelo MapBiomas, somente em 2022 mais de quatro mil hectares da Caatinga foram desmatados como consequência das atividades de energia eólica e solar e a construção de linhas de transmissão.
Na dimensão social, o arrendamento de terra para construção dos parques eólicos e solares praticamente sequestra as terras de agricultores familiares, em contratos, muitas vezes espúrios, celebrados pelos novos empresários “verdes”. A contrapartida de divisão de lucros quase sempre resulta em valores muito aquém do prometido. Ao mesmo tempo, com sua propriedade ocupada por projetos de geração de energia, o agricultor fica impedido de plantar. Há relatos de pescadores artesanais cercados por parques eólicos nos litorais do Nordeste. Moradores das vizinhanças têm de conviver com o barulho do movimento das pás eólicas – que ao se movimentarem liberam pó de fibra de vidro, ferindo a pele das pessoas. Do ponto de vista do ambiente silvestre, também há prejuízo: ao fugir das instalações, animais não encontram mais seus locais de caça e fontes de água. Pássaros e morcegos morrem. Estes são apenas alguns exemplos – ainda não conhecemos todos os impactos desta forma de energia renovável.
Instalações de energia solar e eólica produzem muito menos por metro quadrado, têm um desempenho pior e exigem mais áreas para gerar a mesma quantidade de energia produzida por usinas hidrelétricas e convencionais. Do ponto de vista dos impactos ambientais, a energia eólica e a solar e outras fontes de energia provocam danos bastante semelhantes.
A utilização de placas solares nos telhados para a produção de energia elétrica reduz não só o uso da terra, mas, também, o de matérias-primas. As placas solares utilizam principalmente a areia com alto teor de sílica (arenito de quartzo), matéria-prima abundante na natureza. Já as torres e hélices eólicas utilizam grandes quantidades de aço, ferro, cobre e alumínio provenientes de grandes projetos de mineração, além de plásticos, resinas e fibra de vidro produzidos a partir de combustíveis fósseis.
Há autores que sugerem que, entre a utilização de matéria-prima, o processo industrial, o transporte e o descarte das torres, hélices e pás, a energia eólica emita uma quantidade semelhante de emissões de gás carbônico às modalidades tradicionais.
Os custos de instalação e transporte de aerogeradores no mar tornam esta modalidade de geração de energia elétrica a mais cara, e sua viabilidade demanda subsídios. Além disso, as tempestades cada vez mais fortes e frequentes podem causar danos às hélices. Uma falha no funcionamento de uma turbina eólica provocou a queda de uma hélice de um aerogerador offshore na costa de Estado norteamericano de Massachussets paraçando o governo local a fechar todas as praias da ilha de Nantucket. Estes e outros impactos em comunidades pesqueiras vêm dificultando a emissão de licenças de instalações de offshores em todo mundo.
O exemplo da Califórnia
Na California (EUA), a produção de energia solar em telhados residenciais atinge um pico e supera a demanda nas horas de sol mais forte (entre as 10h e 14h). Embora este pareça um dado positivo, a energia gerada neste horário é quase toda perdida, uma vez que neste período os moradores estão geralmente em atividades externas, como trabalho e escola.
No Brasil, o Sistema Integrado Nacional (SIN) conecta todo país – com exceção ao Estado de Roraima – numa única rede de transmissão de energia. Isto significa que a energia produzida em excesso nos horários de pico pelos painéis solares em Brasília pode ser jogada para onde houver maior demanda como, por exemplo, uma indústria em São Paulo.
A imprevisibilidade das fontes de energias intermitentes dificulta a operação do sistema e faz com que a energia do vento e do sol, por exemplo, seja ainda utilizada de forma complementar. Em um futuro próximo, o desenvolvimento de novos softwares e inversores inteligentes poderá aperfeiçoar a operação de distribuição de energia na rede elétrica permitindo uma maior utilização das fontes intermitentes.
Como na Califórnia, outra solução viável seria a instalação de baterias nas redes locais para armazenar a energia excedente. Seguindo o modelo atual de créditos de energia solar, o produtor individual permanece ligado à rede local. A energia excedente gerada em horários de pico é injetada diretamente na rede local e o produtor/consumidor é compensado com o fornecimento de energia em horários em que as placas solares não produzem energia tendo acesso, portanto, à energia elétrica 24h por dia.
O estímulo à expansão dos PSFVs em telhados poderá resultar na diminuição das tarifas de energia, beneficiando os consumidores sem condições financeiras para arcar com os custos de instalação de energia solar. A parceria do programa de moradia Minha Casa Minha Vida com o Luz para Todos já prevê a instalação de PSFVs na construção de casas populares.
Diversos países vêm discutindo a questão e uma das soluções discutidas é o subsídio para a instalação de equipamentos nos telhados de residências, comércio e indústria e para as distribuidoras adquirirem baterias de armazenamento. Muitas distribuidoras reclamam que não recebem por armazenar a energia utilizada pelos consumidores. Neste caso, a solução proposta é a de aumentar ligeiramente a taxa básica para que todos possam usufruir da energia estocada durante a noite e reduzir significativamente a tarifa de energia, uma vez que a distribuidora recebe gratuitamente a energia produzida pelas placas solares nos telhados da cidade.
Impacto das Baterias
A utilização de baterias para armazenar a energia produzida em excesso durante o dia não vem sem problemas. As baterias solares utilizam elementos do tipo terras raras e outros minérios, com impactos prejudiciais ao meio ambiente. O processo industrial da fabricação das baterias de íons de lítio, por exemplo, resulta, de acordo com a Agência Internacional de Energia, em cerca de 150 kg a 200 kg de emissões de CO2 por kWh de capacidade de armazenamento. As baterias têm vida útil limitada, precisarão ser descartadas e, eventualmente, substituídas. O descarte inadequado poderá liberar produtos químicos tóxicos e metais pesados. O risco de explosões e incêndios também precisa ser considerado. Pesquisas para construir baterias com menos impactos ambientais – utilizando, por exemplo, sal – já estão em estágios avançados.
Aquecimento urbano
Outro desafio é o aumento da temperatura em até 1,5ºC durante o dia nos ambientes urbanos que contam com placas fotovoltaicas. Há mais de uma centena de estudos científicos sistemáticos que mostraram como os painéis solares afetam o clima local, aumentando significativamente a temperatura em seu entorno durante o dia. Os pesquisadores sugerem que as pesquisas futuras devem se concentrar em aumentar a refletância dos comprimentos de onda da luz solar não convertidos em eletricidade.
As vantagens da energia fotovoltaica em telhados, no entanto, superam os desafios tecnológicos para o aperfeiçoamento das placas e baterias solares. A rapidez na instalação das placas em telhados – de cerca três meses – com que são implantadas as placas em telhados urbanos e rurais, oferece uma grande vantagem em relação a projetos comerciais, que podem levar até dois ou três anos. Isto é, sem dúvida, de grande interesse para enfrentar o agravamento vertiginoso das mudanças climáticas. Além de criar empregos verdes urbanos, pode também dinamizar a venda de aparelhos domésticos elétricos como fornos e fogões e de carros elétricos reduzindo o consumo de gás e gasolina.
A emergência e a inesperada aceleração das mudanças climáticas exigem soluções viáveis para reduzir os impactos das novas energias. Concentrar estes impactos no ambiente urbano evita o desmatamento, os conflitos sociais com pequenos agricultores e pescadores e salvaguarda a fauna de regiões ainda preservadas. Soluções rápidas e milagrosas não acontecerão em um curto espaço de tempo. Imaginar que poderemos reciclar as enormes hélices e torres eólicas quando não conseguimos reciclar o lixo urbano é otimismo exacerbado. Neste momento, é necessário investir em pesquisa, reduzir os impactos da energia solar em telhados e não criar novas dificuldades,
Fonte: ((O))Eco.
Foto: Rafaela Araújo/Folhapress.